Uso de microrganismos na agricultura

A agricultura como a conhecemos está mudando. Isso é um fato! Não é um processo rápido e nem tão pouco lento, mas que caminha para aumentos expressivos de produtividade. Entretanto, a medida que nosso conhecimento avança e, novos desafios vão surgindo, cabe a nós, guiar essa nova agricultura por caminhos sustentáveis. Nesse contexto, o uso de microrganismos na agricultura surgiu como uma alternativa interessante e viável. Pensando nisso, traço um panorama das mudanças ocorridas nos últimos 20 anos sobre um tema cada vez mais atual: o uso de microrganismos na agricultura! Boa leitura!

Índice

Recordando o passado

E como dizem que recordar é viver, resolvi revisitar a minha tese de doutorado; mais especificamente, a parte onde escrevi sobre Controle Biológico. Foi gratificante perceber que um texto publicado em 2007 ainda está atual. Os alicerces do Controle Biológico utilizando microrganismos pouco mudaram. Entretanto, de lá até os dias de hoje, alguns dogmas caíram por terra ou começaram a ruir. Naquela época, quando se falava em Controle Biológico, era impensável utilizá-lo em conjunto com o Controle Químico. Era uma relação defendida entre unhas e dentes por pesquisadores dessas áreas e, no final, o produtor tinha de optar entre uma técnica ou outra.

Esse atrito entre essas técnicas acabou sendo minimizado e, esse foi, com certeza, um dos grandes marcos para a popularização do Controle Biológico. Hoje a recomendação é baseada em efetividade de controle e, principalmente, em áreas de alta infestação de pragas agrícolas, recomenda-se ativamente o uso de algum defensivo químico com agentes de controle biológico. O primeiro apresentando um “efeito de choque” e o segundo agindo de forma sinérgica, aumentando a efetividade do controle.

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Fonte: Zucchi, Newcastle University, 2010.

Nessa mesma época, a Ecologia Microbiana começava a dar seus primeiros passos, ao sabor das bolhas formadas nos tanques de DGGE (Denaturing Gradient Gel Electrophoresis), para se tornar um dos pilares da Microbiologia moderna. O advento de novas técnicas e equipamentos permitiram que os pesquisadores dessem asas às mais diversas hipóteses, muitas das quais revelaram resultados surpreendentes. Na primeira década do século XXI, o Controle Biológico Microbiano era aplicado nos moldes do Controle Biológico Clássico (desenvolvido em meados do século passado para aplicação de parasitoides), onde a ideia central era a aplicação massal de uma única população para controlar/mitigar uma determinada praga.

Entretanto, observações utilizando mais de um agente biológico, como no caso do consórcio Cotesia flavipes/Trichogramma galloi no manejo da Diatraea saccharalis (broca-da-cana-de-açúcar), mostraram aumentos significativos na efetividade do controle da praga-alvo. De forma semelhante, no início do século, surgia vasta literatura sobre as vantagens do uso de mais de um microrganismo no controle de pragas e doenças. Não obstante, ao final desta década, surgiram os primeiros produtos comerciais utilizando misturas de microrganismos.

Avanços do uso de microrganismos na agricultura

Os resultados obtidos de forma empírica no passado, foram ganhando embasamento científico com o estabelecimento de técnicas de Biologia Molecular voltadas à Ecologia Microbiana. No início, muito foi realizado para se determinar a importância dos microrganismos na saúde humana. Essa linha de pesquisa culminou no surgimento da Fenômica – ramo multidisciplinar que estuda as interações dos fenótipos/genomas nos diferentes biomas – alterando a máxima “nós somos o que comemos” para “nós somos o que hospedamos”. Hoje, sabemos que a comunidade microbiana existente em cada indivíduo está diretamente relacionada à diversas característica desse indivíduo, incluindo propensão a engordar ou desenvolver determinadas doenças.

De forma correlata, as mesmas técnicas foram aplicadas às Ciências Agrárias e os resultados, guardadas as devidas proporções, foram similares. Basicamente, solos com uma elevada diversidade microbiana costumam ser mais refratários ao desenvolvimento de doenças nas plantas. Vale ressaltar, ainda, que houve uma revitalização do termo “solos supressivos”. No passado, a definição desse termo era algo do tipo “solos capazes de suprimir o desenvolvimento de doenças”. Esse termo, chegou a cair em desuso por um tempo, mas com as descobertas no final da primeira década do século XXI, foi redefinido para “solos que abrigam uma comunidade microbiana estruturada, que impedem o desenvolvimento de doenças”. Essa simples redefinição foi algo como pavimentar com pista dupla uma estrada de terra. Abriu-se uma frente de pesquisa única sobre o uso de microrganismos na agricultura e que avança a passos largos para responder questionamentos levantados por grandes microbiologistas do passado.

Comunidade microbiana

Pela primeira vez na história, começamos a entender como essas comunidades interagem para se proteger contra invasores e consequentemente manter a sanidade fitossanitária das plantas cultivadas. Assim, diferentes grupos de pesquisa vêm demostrando que uma comunidade bem estruturada se comporta como uma barreira biológica para a entrada de organismos exógenos/oportunista. Além disso, resultados mostraram que a história evolutiva entre as plantas e a comunidade microbiana no solo se moldou para que uma se beneficie da outra e vice-versa. E o balanço dessas comunidades em cultivos agrícolas costuma ser uma linha tênue entre estabilidade e caos, onde sua dinâmica é constantemente alterada por nós, seres humanos.

Para entender essa afirmação, basta ter em mente que a atividade agrícola, por si só, é extremamente agressiva para as comunidades microbianas do solo. Onde antes havia floresta e, consequentemente, cobertura vegetal, havia uma comunidade microbiana estruturada e adaptada à essa condição. A remoção da cobertura vegetal, a monocultura, os tratos culturais, a aplicação massiva de fertilizantes e defensivos químicos, por anos a fio, selecionaram populações microbianas adaptadas a essa nova condição.

Nesse novo cenário, o solo pode ter mantidos suas características físicas e químicas (devido aos tratos culturais), mas perdeu muitas das funções biológicas, que eram realizadas por diferentes populações microbianas. Ao longo dos anos, esses “espaços” acabaram sendo preenchidos por organismos oportunistas, alguns dos quais fitopatogênicos. Parece simples, mas demorou quase 20 anos, para conseguirmos entender o porquê de solos relativamente férteis não apresentarem a produtividade esperada. A resposta estava justamente na parcela negligenciada do bioma agrícola, o microbioma do solo.

Nova fase de microrganismos na agricultura

Em paralelo, o Controle Biológico modificou-se para incorporar as descobertas recentes da Ecologia Microbiana; inaugurou-se, assim, uma nova fase. O foco de outrora no controle de determinadas pragas está sendo lentamente migrado para as diferentes funcionalidades dos microrganismos. Aliás, chega a ser interessante lembrar que essas funcionalidades são conhecidas no meio científicos há mais de 50 anos, quando começaram a surgir os primeiros artigos sobre promotores de crescimento de planta. Assim, características como fixação de nitrogênio, solubilização de fósforo, produção de fitormônios e antibióticos, entre outros, começaram a ser exploradas pelas empresas de produtos de controle biológico.

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Atualmente, novas teorias estão surgindo a todo momento para explicar como a planta se comunica com sua comunidade rizosférica (organismos que vivem próximos às raízes). Talvez, a mais interessante seja aquela que teoriza que essa comunidade microbiana age como um “sistema imune” rudimentar das plantas. Assim, diferentemente dos animais que possuem um sistema imunológico interno e complexo (além de abrigar uma comunidade microbiana), as plantas evoluíram para se comunicar e utilizar essa microbiota externa como um agente extra para mitigar fatores bióticos e abióticos. Os resultados mostram ainda que, a resposta dessas microbiotas em solos supressivos é muito similar à resposta encontrada quando o sistema imunológico de animais é desafiado por algum antígeno

E mais, essa microbiota rizosférica guarda uma certa “memória” para ter uma resposta mais rápida caso entre em contato com o agente invasor novamente! Se essa teoria se tornar regra e os solos supressivos se tornarem cada vez mais comum, como ficaria o Controle Biológico Microbiano? A inserção de uma população exógena poderia desencadear essa reação “imune” da comunidade endógena do solo?

Solos supressivos

Hoje, entendemos que os solos supressivos são raros. Porém, podem ser “construídos”, de forma laboriosa e em pequenas quantidades, nos centros de pesquisa. Podem também ser obtidos nos “casos de sucesso” das propriedades de cultivos orgânicos, mas nesse caso, necessitam de décadas de dedicação e trabalho intenso. Ainda é cedo para dizer qual o rumo que o Controle Biológico Microbiano irá tomar frente a esses avanços que estão surgindo. Mas podemos divagar a respeito.

À medida que mais informação forem surgindo, o Controle Biológico poderá ser usado como uma forma de “ativador” da microbiota do solo. Ora entregando funções biológicas que foram perdidas ou estão deficitárias na área; ora sendo usado para causar uma “reação imune” da microbiota endógena contra o agente de controle biológico e, ao mesmo tempo, inibindo a proliferação de pragas e doenças. Particularmente, acredito que chegaremos ao ponto de entender quais funções biológicas serão demandadas para cada cultura/cultivar em função do estádio fenológico, clima, solo e microbiota.

E dessa forma, poderíamos agir de forma mais assertiva, empregando, no momento certo, a população ou comunidade microbiana para suprir essa necessidade. Seria a consagração e unificação da parte teórica (Ecologia Microbiana) com a parte prática (Controle Biológico) numa única ciência. Se hoje, os ganhos de produtividade estão justificando o uso de controle de pragas com agentes de controle biológico, imaginem como será a verticalização da produção com o surgimento dessa nova frente de estudos!

Hoje acordei saudosista… e ansioso para saber quais segredos nos serão revelados nos próximos anos!

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