O desenvolvimento das plantas se dá, de forma simplificada, a partir da retirada de água e nutrientes do solo que são transformados utilizando a energia obtida por meio da fotossíntese em compostos químicos necessários para o seu crescimento e reprodução. São dessas estruturas vegetativas e reprodutivas que retiramos alimentos e outros produtos de nosso interesse: grãos, folhas, flores, raízes etc.
O pH do solo, ou sua acidez, determina a disponibilidade de nutrientes, que sem absorção adequada comprometem o desenvolvimento da planta e impactam na produção. Essa relação entre a acidez – ou alcalinidade – do solo e a disponibilidade dos nutrientes foi explicada pelo professor Eurípedes Malavolta em 1979 e ilustrada em um gráfico. Contudo, o porquê das curvas de disponibilidade se comportarem dessa maneira é motivo de dúvida para muitas pessoas, e é justamente o que vamos discutir neste texto.
Para fins de interpretação, é importante ressaltar que o gráfico informa dois valores de pH, um deles é medido em água e o outro em cloreto de cálcio (CaCl2). O pH medido em cloreto de sódio é considerado mais preciso do que o medido em água porque é menos afetado por sais presentes no solo (SCHOFIELD e TAYLOR, 1955; DAVEY e CONYERS, 1988), mas ambas as metodologias são válidas, diferenciando-se apenas pelo valor de pH em água sendo entre 0,5 e 0,6 ponto superior na escala de pH.
Índice
Gráfico da curva do nutriente Alumínio
Diferentemente dos gráficos mais utilizados no exterior, como EUA e Europa, o Gráfico de Malavolta destaca o comportamento do alumínio, elemento de muita importância para os solos tropicais ácidos, como os que predominam no Brasil. Essa predominância ocorre porque, em situações fortemente ácidas, o produto final do intemperismo é Al+3, espécie tóxica às plantas e constituinte da acidez potencial do solo.
À medida que o pH aumenta, ocorre a hidrólise do alumínio. Em soluções aquosas, o alumínio é acompanhado de outras seis moléculas de H2O, mas à medida que o pH aumenta, íons H+ são removidos das moléculas de H2O até que ocorra a formação de Al(OH)3 (espécie sem carga que precipita na solução do solo). A atividade do alumínio torna-se menor à medida que o pH aumenta e atinge valores mínimos na faixa de pH de 5,5 a 8,0 (MELLO; PEREZ, 2019), como é possível visualizar no gráfico.
Gráfico da curva das Bases
A acidificação dos solos brasileiros se dá, em grande parte, pela “lavagem” das bases pelos altos volumes de precipitação. Nesse caso, grande parte dos sítios de troca estão ocupados por Al+3 e H+. À medida que o pH aumenta ocorre, como já vimos, a hidrólise do alumínio e sua precipitação. Com a liberação dos sítios de troca, essas posições passam a ser ocupadas pelas bases K+, Ca+2 e Mg+2.
A razão para esses íons não ocuparem os sítios de troca sobre o Al+3 está na posição que estes íons ocupam na série liotrópica, uma sequência que indica a força de adsorção dos íons aos colóides do solo, considerando sua valência e seu raio hidratado (H+ >> Al+3 > Ca+2 > Mg+2 > K+ NH4+ > Na+). Em resumo, os cátions que são retidos com menor força se posicionam a maior distância da superfície dos colóides, o que os torna para serem deslocados para a solução do solo.
Gráfico da curva do nutriente Fósforo
O fósforo é, frequentemente, um fator limitante da produção agrícola, principalmente nos trópicos (MALAVOLTA, 2006).
Em pH muito baixos, o fósforo possui uma afinidade altíssima com o Fe, formando fosfato de ferro, um composto insolúvel que não está disponível às plantas. À medida que o pH aumenta, a disponibilidade de Fe+3 diminui, e o fósforo passa a se associar ao alumínio, formando fosfato de alumínio, ainda indisponível às plantas mas em volumes menores do que o fosfato de ferro. Quando o pH se aproxima da neutralidade, como é possível visualizar no gráfico, ocorre a máxima disponibilidade do nutriente na forma de H2PO4–. Aumentando ainda mais a alcalinidade, a disponibilidade de H2PO4– passa a diminuir pela formação de fosfato de cálcio, novamente insolúvel e indisponível às plantas.
Gráfico da curva dos nutrientes Nitrogênio, Enxofre e Boro
Estes nutrientes possuem uma relação muito forte com os microrganismos do solo, cujas condições mais favoráveis ao seu desenvolvimento estão na faixa de pH próxima à neutralidade. Por esse motivo, tanto em situações ácidas quanto alcalinas, a disponibilidade de N, S e B diminui, porque a atividade biológica desses microrganismos também diminui.
Quanto ao nitrogênio, aproximadamente 98% dele está no solo na forma orgânica, enquanto apenas 2% está na forma mineral. O nitrogênio presente na matéria orgânica precisa ser mineralizado principalmente por bactérias, fungos e ascomicetos para se tornar disponível às plantas. Além disso, o nitrogênio também pode ser disponibilizado às plantas pela atividade de bactérias diazotróficas fixadoras de nitrogênio, por meio da transformação do N atmosférico (MALAVOLTA, 2006).
O enxofre, por sua vez, é absorvido pelas plantas predominantemente na forma de sulfato (SO4-2), forma oxidada do enxofre, embora possa absorver outras formas. Assim como o nitrogênio, a proporção de enxofre na forma orgânica é muito superior à forma mineral (90%), e é mineralizado por bactérias e fungos. Em situações de pH reduzido, ocorre a formação de sulfetos (SO4-2 → H2S), que não são absorvíveis e podem ser tóxicos em altas concentrações (MALAVOLTA, 2006). O boro se encontra na solução do solo na forma de ácido bórico (H3BO3) ou, em situações de pH mais elevado, ânion borato (B(OH)4). Pode estar solúvel em água, adsorvido, preso à matéria orgânica e fixado nas redes das argilas e minerais (MALAVOLTA, 2006). Na matéria orgânica, importante fração do B, assim como os outros nutrientes da mesma curva, o boro é mineralizado por microrganismos cuja atividade é favorecida em ambientes próximos à neutralidade.
Gráfico da curva dos nutrientes Molibdênio e Cloro
O molibdênio e o cloro estão presentes no solo na forma aniônica (MoO4-2 e Cl–), ou seja, possuem carga negativa. Como em pH mais baixos as cargas negativas do solo predominam, a adsorção desses elementos é muito reduzida, e só aumenta quando, com o aumento da alcalinidade, a capacidade de troca de ânions (CTA) do solo passa a ser mais evidente. Dessa forma, quando as cargas positivas predominam, esses nutrientes são lixiviados no perfil e ficam inacessíveis às plantas.
Gráfico da curva dos Nutrientes Micro Metálicos (Fe, Mn, Cu e Zn)
Os micronutrientes metálicos estão disponíveis às plantas em suas formas iônicas, mas quando a acidez diminui (aumento do pH), esses elementos formam bases fracas que tendem a permanecer unidas, sem se dissociarem, portanto, não disponíveis às plantas.
Calcário e Gesso: Adequando o solo à agricultura
Como vimos, a disponibilidade de nutrientes está intimamente relacionada ao pH do solo. Por isso, as práticas corretivas com o uso de calcário, para redução da acidez e neutralização do alumínio, são indispensáveis para a atividade agrícola. O gesso, por sua vez, também é capaz de neutralizar o alumínio, além de atuar em camadas mais profundas do perfil, carregando nutrientes e atuando como fonte de enxofre.
Conclusão
A concentração de um nutriente no solo não é determinante de fertilidade, mas, sim, se a forma em que ele se encontra está disponível às plantas. Assim, com a interpretação das curvas do gráfico de disponibilidade de nutrientes do professor Eurípedes Malavolta, é possível estabelecer que a faixa de pH ligeiramente ácida é onde se encontram as melhores condições para o desenvolvimento de grande parte das culturas comerciais.
Entretanto, os pesquisadores Hartemink e Barrow, em um estudo publicado em 2022, alertam para o aspecto “generalizado” dos gráficos de disponibilidade de nutrientes. Eles ressaltam que a solubilidade dos nutrientes é extremamente variável quanto ao tipo de solo, disponibilidade hídrica, microbiota, textura, temperatura, além da variância nas condições consideradas ótimas entre as plantas.
Referências bibliográficas
DAVEY, B.J.; CONYERS, M.K. Determining the pH of acid soils. Soil Science, Baltimore, v.146, n.3, p.141-150, 1988.
HARTEMINK, Alfred E.; BARROW, N. J.. Soil pH – nutrient relationships: the diagram. Plant And Soil, [S.L.], v. 486, n. 1-2, p. 209-215, 4 jan. 2023. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1007/s11104-022-05861-z.
MALAVOLTA, Eurípedes. Manual de Nutrição Mineral de Plantas. São Paulo: Agronômica Ceres, 2006.
MELLO, Jaime Wilson Vargas de; PEREZ, Daniel Vidal. EQUILÍBRIO QUÍMICO DAS REAÇÕES NO SOLO. In: MELO, Vander de Freitas; ALLEONI, Luís Reynaldo Ferracciú (ed.). Química e Mineralogia do Solo: conceitos básicos e aplicações. Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS), 2019. p. 151-250.
SCHOFIELD, R.K.; TAYLOR, A.W. The measurement of soil pH. Soil Science Society of America Proceedings, Madison, v.19, n.2, p.164-167, 1955.