Pragas: como reduzir sua pressão e o uso excessivo de inseticidas

A biodiversidade agrícola não abrange só as diversas plantas presentes em um sistema produtivo, mas os outros organismos como insetos, nematóides e microrganismos atuantes na produção, muitas vezes consideradas como pragas.

Os insetos têm potencial papel de impacto nos sistemas agrícolas, tanto de forma benéfica – como agentes biológicos de controle e polinizadores – quanto maléfica, atuando como pragas agrícolas – denominados insetos prejudiciais. Tais insetos prejudiciais são considerados pragas quando passam a causar prejuízos econômicos aos cultivos, dificultando o manejo e reduzindo a viabilidade da produção.

Neste artigo, vamos abordar quais alternativas podem ser utilizadas para reduzir o impacto das pragas agrícolas por meio do uso de tecnologias benéficas ao sistema, em integração com o meio ambiente.

Índice

Manejo Integrado de Pragas (MIP)

O manejo integrado de pragas (MIP) consiste em um conjunto de práticas agrícolas benéficas ao controle dos insetos prejudiciais, que ocorrem por meio do monitoramento e uso de estratégias biológicas, culturais, comportamentais, genéticas, vegetais e químicas.

A Figura 1 representa graficamente a estruturação do MIP, edificando-o como uma casa que possui suas bases e seus pilares, como observado abaixo.

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Figura 1 – Estruturação do MIP.

O controle cultural é um dos pilares do MIP e consiste na manipulação do ambiente a favor da redução de populações prejudiciais ao sistema de cultivo. Essas alterações no ambiente podem ser realizadas por meio da eliminação de restos culturais, uso de sementes saudáveis, rotação de culturas e manejos como plantio-isca, que consiste no cultivo de plantas “armadilhas” a fim de atrair os insetos prejudiciais, reduzindo o impacto sobre a principal cultura comercial. 

O controle comportamental é baseado no manejo de semioquímicos, moléculas orgânicas responsáveis por transmitir sinais químicos capazes de modificar o comportamento dos insetos. Por meio de seu uso, é possível inibir hábitos e até mesmo atrair os organismos para áreas afastadas do cultivo comercial. O principal exemplo é o uso de feromônios com o objetivo de afastar o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) das áreas de produção.  

O controle genético se baseia no manejo do genoma a fim de reduzir o impacto das populações prejudiciais de pragas, além de impactar os mecanismos de herança genética dos cultivos, diminuindo a incidência sobre as culturas comerciais. O uso de tecnologia Bt já é bastante difundido no país, tendo seu primeiro uso datado da década de 1950, mas a seleção de organismos resistentes reduziu sua eficácia, exigindo o uso de diferentes métodos genéticos de controle de pragas. Assim, surge espaço para o uso das proteínas inseticidas vegetativas (Vip), que atuam também no intestino médio dos insetos, mas em diferentes receptores, aumentando a eficiência do controle.

O controle vegetal consiste no manejo do sistema produtivo a fim de reduzir a população de plantas que podem hospedar insetos prejudiciais à cultura comercial. As plantas daninhas têm papel importante nessa estratégia de controle, uma vez que podem servir de refúgio para pragas agrícolas, que se protegem sob o dossel das mesmas e sofrem menor impacto do MIP.

O controle químico é o mais comum e conhecido entre os agrônomos e produtores, uma vez que até pouco tempo era um dos únicos utilizados nas áreas de cultivo. O uso de inseticidas é a base para a realização de tal estratégia, porém diversas problemáticas legislativas e sanitárias reduziram a liberdade de uso de tais produtos, exigindo a criação de ferramentas alternativas. Assim, surgiu o MIP, como forma de reduzir os riscos às populações.

Apesar do menor impacto ambiental, o MIP exige cuidados para que o seu uso não se faça prejudicial, tanto aos cultivos quanto ao meio ambiente. Para isso, é essencial que haja o monitoramento do ambiente a fim de determinar o momento de ação e os métodos a serem utilizados.

Níveis de infestação de pragas

Como o próprio nome sugere, o MIP integra diferentes táticas de controle a fim de reduzir a seleção de indivíduos resistentes aos princípios ativos dos inseticidas, além de favorecer o amplo espectro de atuação do controle de pragas e a maior eficiência ambiental da proteção de plantas. Entretanto, a tomada de decisão para o uso de tais estratégias depende do potencial de ação dos agentes controladores, doses aplicadas, épocas de aplicação e os níveis de infestação.

O monitoramento das pragas é parte fundamental do cuidado com os sistemas produtivos, sendo realizado periodicamente de acordo com a cultura e as possíveis pragas presentes no sistema. Apesar de braçal, o monitoramento exige conhecimento técnico sobre entomologia e sobre os métodos de amostragem (zigue-zague, em “U”, entre outros). O método de amostragem de pragas no campo pode ser realizado de diversas formas, como pano de batida (mais comum em cultivos de soja) e armadilhas adesivas, que geralmente apresentam coloração amarela, e hormonais – que possuem feromônios sintéticos que atraem os insetos-praga.

Com o monitoramento realizado, é necessária a avaliação da condição da lavoura, sendo ela importante para a tomada de decisão e, dessa forma, melhorar a eficiência do uso das estratégias de controle. Assim, estabeleceu-se os níveis de controle, para que haja maior assertividade na proteção de plantas. Os níveis são:

  • Nível de equilíbrio (NE): nível populacional médio, sem interferência dos métodos de controle de pragas;
  • Nível de controle (NC): nível populacional de início da interferência antrópica, visando evitar que a praga atinja o nível de dano econômico;
  • Nível de dano econômico (NDE): densidade populacional da praga que causa prejuízos equivalentes ao custo da adoção de estratégias de controle populacional.

Nome VulgarNome CientíficoNível de Controle
Lagarta-do-cartucho (Milho)Spodoptera frugiperda20% das plantas atacadas (até 30 DAP) ou 10% (a partir de 30 DAP)
Percevejo-marrom (Soja)Euchistus heros2 percevejos por metro linear
Bicudo-do-algodoeiro (Algodão)Anthonomus grandis10% dos botões atacados (até 80 DAP) ou 15% (a partir de 80 DAP)
Bicdo-da-cana (Cana-de-açúcar)Sphenophorus levisPresença no canavial
Tabela 1 – Nível de controle das principais pragas agrícolas do Brasil.
Fonte: Adaptado de EMBRAPA (s.d.).

É válido ressaltar que tais níveis são variáveis e dependem do sistema de cultivo, da cultura adotada, da praga observada e dos custos para manejo da lavoura.

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Figura 2 – Gráfico representativo dos níveis populacionais de pragas.
Disponível em: https://blog.chbagro.com.br/manejo-integrado-de-pragas-o-que-e-e-quais-suas-vantagens.

Controle biológico de pragas

A estratégia mais adotada atualmente como alternativa ao uso de inseticidas é o manejo biológico das pragas, realizado por meio da liberação de inimigos naturais e aplicação de bioinseticidas, denominados agentes biológicos de controle.

Os organismos utilizados como agentes de controle podem variar de acordo com a praga a ser combatida, abrangendo desde fungos entomopatogênicos, como o Metarhizium anisopliae e a Beauveria bassiana, até vespas, como a espécie Cotesia flavipes, que atua como parasitóide larval.

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Figura 3 – Cigarrinha-das-raízes (Mahanarva fimbriolata) sendo afetada por fungos entomopatogênicos (Metarhizium anisopliae).
Disponível em: https://gebio.com.br/campo/entenda-sobre-a-dose-de-metarhizium-anisopliae-utilizada-para-o-controle-das-cigarrinhas-das-raizes-em-canavial/.
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Figura 4 – Cotesia flavipes parasitando larva de Diatrea saccharalis (broca-da-cana).
Fonte: Biodron (2022).

De forma simultânea à ampla gama de pragas afetadas pelo controle biológico, sua realização permite maior seletividade de organismos, o que implica em menores impactos imprevistos no ecossistema, comum quando adotado o controle químico, já que os mecanismos de ação dos inseticidas podem causar desequilíbrios em populações benéficas, além de apresentar resultados semelhantes ou superiores aos métodos convencionais. Além de possibilitar o controle “saudável” de pragas, o estabelecimento de populações de agentes biológicos de controle permite – à longo prazo – a manutenção do equilíbrio ecossistêmico e a redução do uso de métodos químicos para o controle dos insetos prejudiciais.

Em estudo realizado pela Fundação MS, em 2014, a adoção do controle biológico de pragas implicou na redução de 70% no uso de inseticidas para lagartas e de 50% para percevejos; já no segundo ano, houve redução ainda maior no uso de inseticidas para lagartas, atingindo 80%.

A vantagem no uso de biológicos se dá uma vez que o uso de inseticidas, de forma incorreta, durante muitos anos favoreceu a seleção de pragas mais resistentes e que, dessa forma, exigem maiores doses dos químicos para controle. Esse uso excessivo é problemático tendo em vista as restrições à importação por parte de países europeus, que buscam produtos externos com maior certificação sanitária, levando em conta os resíduos de defensivos agrícolas presentes nos cultivos oriundos do país, bem como no resíduo dos inseticidas no ecossistema, que podem levar à impactos ambientais em longo prazo.

Além dos benefícios supracitados, o controle biológico de pragas se destaca cada vez mais, se encontrando em plena evolução, enquanto o desenvolvimento de novas moléculas químicas é bastante vagaroso e não apresenta potencial comparado ao espectro de atuação dos agentes biológicos de controle.

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Conclusão

O manejo de resistência das lavouras contra estresses, cada vez mais, impacta diretamente a produtividade e tem sido fator para a divergência dos resultados obtidos no campo. Assim, a boa condução da lavoura não depende somente da presença da cultura comercial, mas também da visão sistêmica dos produtores a fim de desenvolver um ecossistema favorável ao desenvolvimento do cultivo principal e o equilíbrio ecológico, principalmente dos insetos que podem causar prejuízos à produção.

Dessa forma, salienta-se que o uso de alternativas ao controle químico favorece não só o custo de produção, mas também auxilia no equilíbrio dinâmico do sistema e o desenvolvimento de métodos naturais de controle a longo prazo, beneficiando a produtividade e a certificação de qualidade dos produtos ali desenvolvidos.

Referências bibliográficas

FIGUEIREDO, Camila Soares; MARUCCI, Suzana Cristina; TEZZA, Renata Izabel Dozzi; LEMOS, Manoel Victor Franco; DESIDÉRIO, Janete Apparecida. Caracterização do gene vip3A e toxicidade da proteína Vip3Aa50 à lagarta-do-cartucho e à lagarta-da-soja. Pesquisa Agropecuária Brasileira, [S.L.], v. 48, n. 9, p. 1220-1227, set. 2013. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0100-204×2013000900005.

FUNDAÇÃO MS. Controle biológico potencializa combate a pragas e doenças e reduz custos nas lavouras. Disponível em: https://www.fundacaoms.org.br/controle-biologico-potencializa-combate-a-pragas-e-doencas-e-reduz-custos-nas-lavouras/. Acesso em: 27 abr. 2023.

LEMES, Pedro Guilherme et al. Controle comportamental. Viçosa: Ufmg, 2020.

MEDEIROS, Maria Alice de et al. Princípios e práticas ecológicas para o manejo de insetos-praga na agricultura. Brasília: Embrapa Hortaliças, 2011.

MICHEREFF FILHO, Miguel et al. Determinação dos níveis de dano econômico e de controle para Helicoverpa armigera (Hubner) (Lepidoptera: Noctuidae) em tomateiro para processamento indutrial. Brasilia: Embrapa Hortaliças, 2021.PICANÇO, Marcleo Coutinho. Manejo Integrado de Pragas. Viçosa: Ufv, 2010.

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