O solo, além de possuir uma diversidade biológica e funcional, é um sistema complexo composto por diferentes fases: uma porosa, preenchida por ar e/ou água, e outra sólida, que inclui frações minerais, matéria orgânica morta e viva — esta última conhecida como biota do solo (Silva et al., 2023). A fração orgânica, chamada de matéria orgânica do solo (MOS), tem ganhado destaque em estudos, eventos e debates, especialmente por seu impacto direto na produtividade agrícola e na saúde dos solos tropicais. A seguir, vemos um esquema que representa essa composição.

Fonte: Adaptado de Stevenson (1986, 1994) e Perminova et al. (2019).
A chamada “fase viva” do solo abriga uma enorme diversidade de microrganismos, formando um verdadeiro reservatório genético microbiano. Esses organismos são fundamentais para processos como a ciclagem de nutrientes e a decomposição da matéria orgânica (Jiao et al., 2019).
Essa riqueza de organismos torna o solo um ecossistema multifuncional. É nesse contexto que entram os conceitos de diversidade biológica e diversidade funcional, frequentemente mencionados em discussões sobre saúde do solo — e muitas vezes confundidos. Neste texto, vamos esclarecer as diferenças entre eles e mostrar quando cada um se aplica.
Índice
O que é diversidade biológica e diversidade funcional?
Imagine uma escola de engenharia. Lá, há muitas pessoas, mas todas exercem a mesma função: são engenheiros. Nesse exemplo, temos baixa diversidade biológica (poucas “espécies”) e baixa diversidade funcional (mesmas funções). Agora pense em um homem, um pássaro e um fungo. Três organismos distintos, que exercem papéis completamente diferentes na natureza. Aqui, temos alta diversidade biológica e também alta diversidade funcional.

Nas lavouras e florestas, as plantas são capazes de selecionar e moldar as comunidades de microrganismos ao redor de suas raízes, buscando benefícios diretos dessa convivência (Quevedo et al., 2023). Essa região da raiz, chamada rizosfera, abriga um microbioma complexo. Os microrganismos que vivem ali ocupam nichos específicos, desempenham funções distintas e interagem entre si e com o ambiente — promovendo a solubilização, transporte e absorção de nutrientes (Bettiol et al., 2023).
Essa seleção se dá por meio da liberação de exsudados radiculares, compostos orgânicos que alteram as características físico-químicas da rizosfera — uma interface crítica de até 3 mm ao redor das raízes (Garbeva; Weisskopf, 2020). Esses compostos podem trazer benefícios, mas também atrair pragas e patógenos.
Por isso, práticas como consórcios, rotação de culturas e uso de mixes de cobertura ganham importância. Elas aumentam a diversidade de espécies no sistema, o que gera também uma maior diversidade funcional — essencial para a saúde do solo.
A evolução nas formas de estudar o microbioma do solo
As técnicas utilizadas para estudar a diversidade microbiana no solo evoluíram bastante nas últimas décadas. Dos métodos clássicos de cultivo de bactérias, passamos a ferramentas moleculares cada vez mais precisas (Quevedo et al., 2023). Entre as técnicas tradicionais estão a medição do carbono da biomassa microbiana, o cultivo in vitro e análises da atividade microbiana como respirometria e atividade enzimática (Quevedo et al., 2023).
As enzimas mais comumente analisadas são a arilsulfatase, 𝛽-glicosidase e fosfatase, associadas à ciclagem de enxofre, carbono e fósforo, respectivamente. No entanto, essas técnicas têm limitações. Por exemplo, menos de 1% da diversidade microbiana pode ser cultivada em laboratório, e há variações sazonais na atividade enzimática (Quevedo et al., 2023).
Com os avanços da biologia molecular, ferramentas como qPCR (Reação em Cadeia da Polimerase em Tempo Real) e sequenciamento genético em larga escala permitiram grandes saltos na análise da abundância e diversidade microbiana no solo (Fierer, 2017). Esses métodos revelam novos organismos, identificam seus nichos e ajudam a entender funções até então desconhecidas no ecossistema solo.
Diversidade de cima, saúde por baixo
Para promover uma alta diversidade funcional no solo, e não apenas biológica, é essencial ter diferentes tipos de raízes coexistindo no sistema — em fases variadas de desenvolvimento (crescimento, consolidação, senescência). O uso de mixes de cobertura, por exemplo, estimula o desenvolvimento de raízes com diferentes profundidades, tamanhos, velocidades de crescimento e perfis de exsudação. Isso cria ambientes favoráveis para diferentes microrganismos se desenvolverem, atuando em funções que beneficiam o crescimento vegetal e ajudam na supressão de pragas e doenças.
Ou seja: não basta ter muitas espécies de microrganismos no solo se apenas algumas dominam. É preciso haver diversidade acima do solo, para que exista diversidade funcional abaixo dele.
Conclusão
Em suma, compreender a diferença entre diversidade biológica e diversidade funcional é essencial para promover a saúde do solo de forma eficaz. Enquanto a diversidade biológica se refere ao número de espécies presentes, a diversidade funcional diz respeito às diferentes funções que esses organismos desempenham no ecossistema. Ambas são importantes, mas é a funcional que garante a realização dos processos-chave para a fertilidade do solo, como a ciclagem de nutrientes, a decomposição da matéria orgânica e a supressão de patógenos.
Para alcançar esse equilíbrio funcional, é fundamental manejar o sistema de cultivo com práticas que favoreçam a diversidade de plantas — como consórcios, rotação de culturas e mixes de cobertura. Essas estratégias ampliam a variedade de exsudatos radiculares e criam microambientes que estimulam o desenvolvimento de comunidades microbianas mais equilibradas e eficientes. Assim, promover diversidade acima do solo é uma das formas mais eficazes de assegurar um solo saudável e produtivo abaixo dele.
Referências bibliográficas
BETTIOL, Wagner et al. Entendendo a matéria orgânica do solo em ambientes tropical e subtropical. Brasília: Embrapa, 2023.
FIERER, N. Embracing the unknown: disentangling the complexities of the soil microbiome. Microbiome Reviews, v. 15, p. 579-590, 2017. DOI: https:// doi.org/10.1038/nrmicro.2017.87.
GARBEVA, P.; WEISSKOPF, L. Airborne medicine: bacterial volatiles and their influence on plant health. New Phytologist, v. 226, p. 32-43, 2020. DOI: https://doi.org/10.1111/nph.16282.
JIAO, S.; XU, Y.; ZHANG, J.; HAO, X.; LU, Y. Core microbiota in agricultural soils and their potential associations with nutrient cycling. Applied and Environmental Science, v. 4, e00313-18, 2019. DOI: https://doi.org/10.1128/mSystems.00313-18.
QUEVEDO, Helio Danilo et al. O microbioma do solo e sua relação com a matéria orgânica. In: BETTIOL, Wagner et al. Entendendo a matéria orgânica do solo em ambientes tropical e subtropical. Brasília: Embrapa, 2023. Cap. 4. p. 125-144.
SILVA, Carlos Alberto et al. Matéria orgânica do solo: ciclo, compartimentos e funções. In: BETTIOL, Wagner et al. Entendendo a matéria orgânica do solo em ambientes tropical e subtropical. Brasília: Embrapa, 2023. Cap. 1. p. 17-48.
STEVENSON, F. J. Cycles of soil – carbon, nitrogen, phosphorus, sulfur, micronutrients. New York: John Wiley & Sons, 1986. 380 p.
STEVENSON, F. J. Humus chemistry: genesis, composition, reactions. 2nd ed. New York: John Wiley 1994.