Agricultura regenerativa: o manejo do futuro

O termo “agricultura regenerativa” popularizou-se nos últimos anos e é repetido em muitos lugares: redes sociais, televisão, feiras do agronegócio, simpósios, livros, revistas e universidades. Também conhecida por agricultura sustentável ou agricultura climaticamente inteligente, a prática atrai a atenção de produtores que procuram se aproveitar da “onda verde” para aumentar sua rentabilidade, diferenciar seu produto e caminhar para sistemas de cultivo com menores impactos à natureza.

Mas, afinal, o que é agricultura regenerativa? O conceito e o caminho para sua implementação são desconhecidos por muitos e, quando conhecidos, são acompanhados de dúvidas quanto a sua aplicabilidade e viabilidade econômica. Neste texto buscaremos expor o conceito original da agricultura regenerativa, como é interpretado atualmente, os caminhos para sua implementação e exemplos de produtores que adotaram, com êxito, a prática.

Índice

O conceito original e sua interpretação atual

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Imagem 1: Robert Rodale, conceituador da agricultura regenerativa.
Fonte: Rodale Institute

Ainda em 1983, Robert Rodale destacou como a agricultura convencional consistia em técnicas que buscavam dominar a natureza, alterando-a à vontade do agricultor para a extração das suas produções. Esta abordagem, segundo ele, era insustentável e representava um constante confronto entre homem e o ambiente, que resultava na perda de áreas produtivas com a erosão dos solos e o desaparecimento de polinizadores, por exemplo.

Dessa forma, o único caminho a ser adotado pelos produtores que garantiria a produtividade de suas terras seria por meio da agricultura regenerativa, onde se buscaria entender a natureza para que essa entregue seu máximo potencial produtivo com o mínimo esforço possível.

Atualmente, o foco da agricultura regenerativa expandiu seu aspecto “regenerativo” para além da safra seguinte, e passou a incorporar práticas para sequestrar carbono da atmosfera, proteger nascentes e microbacias hidrográficas e recuperação da biodiversidade animal e vegetal da região (Rainforest Alliance, 2020). Além disso, considerando a falta de uma definição acadêmica comum, o conceito pode ser expandido como quaisquer práticas que protejam e fortaleçam os benefícios inerentes do agroecossistema, finalmente conduzindo à redução no uso de insumos externos, como fertilizantes e defensivos agrícolas, e aumentando a margem de lucro dos produtores com a redução dos custos de produção (Rainforest Alliance, 2020).

Os pilares da agricultura regenerativa

A agricultura regenerativa se concentra em três pilares principais: solo, biodiversidade e água. Os pilares representam os principais recursos naturais das terras agrícolas que são essenciais para melhorar e manter a produtividade e qualidade ambiental das propriedades agrícolas.

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Imagem 2: O modelo holístico da agricultura regenerativa aplicado à produção de café (Pulleman et al., 2023).
Fonte: Alliance Bioversity CIAT

Solo:

Os solos são um recurso essencial que sustenta a base do nosso sistema alimentar. Sua formação ocorre ao longo de milhões de anos, resultando em uma diversidade de tipos de solo influenciados por fatores como relevo, material de origem, clima e organismos. O manejo da terra exerce um impacto significativo sobre as propriedades químicas, físicas e biológicas do solo. Práticas inadequadas podem gerar diversas ameaças, especialmente em áreas agrícolas, incluindo erosão, redução da matéria orgânica e da fertilidade, declínio da biodiversidade, acidificação e compactação. Esses fatores comprometem diretamente a produtividade dos sistemas agrícolas.

Manter a saúde do solo é fundamental para aumentar a resiliência climática dos sistemas produtivos, favorecendo a retenção de umidade, proporcionando boas condições de enraizamento e contribuindo para a supressão de doenças. Além disso, solos saudáveis desempenham um papel crucial no armazenamento de carbono orgânico e na produção de biomassa, ajudando a mitigar os gases de efeito estufa.

A agricultura regenerativa surge como uma estratégia eficaz para melhorar a saúde do solo, pois contribui para o controle da erosão e do escoamento superficial, reduz a compactação ao minimizar o preparo do solo, mantém a cobertura de solo/vegetal permanente, promove a reciclagem da matéria orgânica, otimiza a manutenção dos nutrientes e reduz a necessidade do uso de pesticidas.

Biodiversidade:

A biodiversidade corresponde à variedade de organismos que compõem um ecossistema e pode ser analisada em diferentes níveis: (i) variação biológica entre ecossistemas, (ii) diversidade entre espécies e (iii) variação genética dentro de uma mesma espécie. No contexto agrícola, a biodiversidade funcional refere-se à seleção de espécies pelo agricultor para desempenhar funções essenciais que, em ecossistemas naturais, seriam realizadas por uma ampla diversidade de organismos.

Entre os principais objetivos da agricultura regenerativa, destaca-se o aprimoramento e o uso sustentável da biodiversidade. A conversão de áreas naturais em sistemas de produção agrícola é um dos principais impactos da atividade agrícola sobre a biodiversidade, levando à fragmentação de habitats. Muitos cultivos seguem um modelo historicamente simplificado, baseado na monocultura e no uso intensivo de agroquímicos, o que pode comprometer a biodiversidade local. O uso indiscriminado de pesticidas, por exemplo, pode afetar organismos não alvo, incluindo insetos benéficos.

Promover a biodiversidade nos agroecossistemas traz benefícios diretos à produção agrícola. A restauração e o equilíbrio ecológico do ambiente podem reduzir a dependência de insumos químicos e aumentar a resiliência dos sistemas produtivos. Isso, por sua vez, contribui para a sustentabilidade da produção e pode gerar uma redução nos custos para o agricultor.

Água:

A disponibilidade, qualidade e gestão dos recursos hídricos são essenciais para garantir o acesso à água potável em diferentes usos, incluindo o doméstico, agrícola e industrial. No entanto, a extração excessiva e a poluição gerada por atividades agrícolas e industriais representam sérias ameaças à segurança hídrica. A lixiviação de pesticidas, fertilizantes e outros contaminantes contribui para o fenômeno da eutrofização em corpos d’água, sejam superficiais ou subterrâneos, comprometendo a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos.

Fatores como mudanças climáticas, desmatamento e alterações no uso da terra podem impactar diretamente a disponibilidade e a qualidade da água, intensificando eventos extremos como secas e inundações. Esses fenômenos afetam a produtividade agrícola e podem danificar infraestruturas essenciais para a produção e o abastecimento.

Nesse contexto, práticas regenerativas voltadas para a conservação dos recursos hídricos desempenham um papel fundamental. O manejo sustentável do solo contribui para a melhoria da infiltração e armazenamento de água, reduzindo o escoamento superficial e minimizando a necessidade de insumos agroquímicos. Dessa forma, além de garantir uma maior resiliência hídrica, essas estratégias favorecem a sustentabilidade dos sistemas produtivos.

Como implementar a agricultura regenerativa?

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Imagem 3: A conversão de solos erodidos em solos resilientes.
Fonte: SENAR e Getty Images / BBC News Brasil

Apesar de parecer algo distante, muitos dos manejos agrícolas difundidos hoje em dia em grandes lavouras de soja, milho, algodão, café e outras já empregam técnicas conservacionistas que são a base da agricultura regenerativa: o plantio direto, o manejo integrado de pragas, a rotação de culturas, os sistemas digitais de inteligência, o melhoramento genético de plantas. Todas essas práticas aumentam a produtividade por área, reduzem a necessidade de insumos, promovem a saúde do solo, reduzem o consumo de combustível, em geral aumentando a eficiência da operação (CropLife, s.d.).

Para a implementação da agricultura regenerativa em lavouras convencionais, vários princípios e práticas podem ser adotados em diferentes escalas:

Na lavoura: na escala do campo, onde as plantas são cultivadas, o princípio chave é promover a saúde do solo, o que significa melhorar seus aspectos físicos, químicos e biológicos. Isso pode ser feito com a adição de matéria orgânica ao solo, o uso de plantas de cobertura, plantio-direto, uso de bioinsumos, rotação de culturas e consórcios. A implementação dessas práticas melhora a disponibilidade de nutrientes e capacidade de troca do solo. Uma melhor estrutura resulta em uma maior capacidade de retenção e infiltração de água, além de aumentar a atividade biológica. Como resultado, haverá sequestro de carbono, disponibilidade de nutrientes e supressão de pragas e doenças, reduzindo a dependência de fertilizantes e pesticidas. Para a redução no uso de defensivos, o Manejo Integrado de Pragas (MIP) mostra-se uma excelente ferramenta para os agricultores (Rainforest Alliance, 2020).

Na fazenda: considerando a área total da fazenda, o objetivo é proteger e gerenciar os ecossistemas naturais para conservar a biodiversidade e aumentar os serviços que esses sistemas podem oferecer. Áreas de preservação de florestas e matas ciliares, além da possibilidade de implementação de sistemas agroflorestais ou integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), provêm abrigo para diversas espécies chave de animais, incluindo algumas importantes para os sistemas agrícolas, como os polinizadores e inimigos naturais de pragas agrícolas (Rainforest Alliance, 2020).

No âmbito regional: nessa escala cabe pensar no conjunto de propriedades próximas como um instrumento de suporte à conservação da biodiversidade e de mitigação das mudanças climáticas. Os princípios de preservação da biodiversidade devem se conectar em outras propriedades, promovendo a conexão de áreas de preservação, constituindo corredores ecológicos e a proteção de ecossistemas chave para determinadas espécies e para o abastecimento de água dos rios e lagos (Rainforest Alliance, 2020). Além disso, a adoção da agricultura regenerativa tem efeitos positivos na produtividade, reduzindo a pressão sobre as florestas devido a expansão agrícola.

Regenera - Agricultura regenerativa: o manejo do futuro

Agricultura regenerativa na prática

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Imagem 4: Lavoura de café em sistema agroflorestal
Fonte: Center for Tropical Agriculture (CIAT)

Um dos casos mais representativos de implementação de agricultura regenerativa pode ser encontrado na cultura do café. Como uma cultura perene tolerante à sombra, o café possui um alto potencial para contribuir com a conservação da biodiversidade, restauração de áreas degradadas e técnicas para sequestro de carbono (Pulleman et al., 2023).

A produtividade de cafezais é altamente variável entre as regiões produtoras. De um lado é possível encontrar países como o Brasil e Vietnã, com altas produções variando de 1,5 a 2,5 toneladas de grão verde por hectare, utilizando manejos intensivos com alto uso de insumos externos, mas representando um risco ambiental significativamente alto. De outro, encontram-se regiões que produzem entre 0,5 e 1 tonelada de grão verde por hectare, comum na maioria dos países produtores de café onde predominam pequenos produtores (Pulleman et al., 2023).

Isso implica em dizer que, ao partirem para manejos regenerativos, agricultores de diferentes regiões partem de situações diferentes e talvez tenham objetivos e prioridades distintos. Como resultado, o caminho para a agricultura regenerativa se dá por outros passos.

Isso não necessariamente significa que agricultores devem passar por um trade-off entre produtividade e sustentabilidade. Por exemplo, pequenos agricultores que utilizam poucos insumos agrícolas em suas propriedades muitas vezes têm a fertilidade de seus solos esgotada e uma pobre saúde do solo; nesses casos a instauração de práticas agrícolas regenerativas pode auxiliar no aumento de produção e renda para as famílias. Grandes produtores, que utilizam de altos volumes de fertilizantes e defensivos agrícolas, podem otimizar o seu uso de água e nutrientes com práticas regenerativas, reduzindo custos de produção e aumentando as margens de lucro (Pulleman et al., 2023).

Por fim, com o advento dos selos e certificações de sustentabilidade, um novo mercado se abre aos produtores. Com altas bonificações por certificados de produções que contribuam com a preservação da biodiversidade, os agricultores podem alavancar sua receita de venda e aumentar a rentabilidade da atividade agrícola.

Conclusão

A agricultura regenerativa é uma abordagem holística à agricultura sustentável que foca em restaurar os recursos naturais em fazendas e nas paisagens ao redor. O seu conceito não é novo, e passou por muitas mudanças e adaptações para se encaixar nas diversas regiões produtoras do planeta, e deve ser adaptado para cada situação.

A sua implementação já ocorre em vários níveis, muitas vezes sem a consciência de que são práticas sustentáveis que condizem com o conceito de agricultura regenerativa, o que reforça a sua viabilidade econômica e prática.

Referências bibliográficas

Agricultura regenerativa: a conservação dos recursos naturais em destaque. CropLife. Disponível em: https://croplifebrasil.org/conceitos/agricultura-regenerativa/. Acesso em: 02 jun. 2024.

Pulleman MM; Rahn E; Valle JF. 2023. Regenerative agriculture for low-carbon and resilient coffee farms: A practical guidebook. Version 1.0. International Center for Tropical Agriculture (CIAT). Cali, Colombia. 181 p. Disponível em: https://hdl.handle.net/10568/131997. Acesso em: 02 jun. 2024.

Raising the bar – regerative agriculture for more resilient agro-ecosystems. Rainforest Alliance. 2020. Disponível em: https://www.rainforest-alliance.org/resource-item/raising-the-bar-regenerative-agriculture-for-more-resilient-agro-ecosystems-white-paper/. Acesso em: 02 jun. 2024.

RODALE, Robert. Breaking new ground: the search for a sustainable agriculture. Futurist. Califórnia, p. 15-20. fev. 1983.

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