
O avanço da agricultura sobre solos tropicais ocorreu, em grande parte, devido ao reconhecimento das barreiras químicas que limitam o crescimento das raízes em profundidade. Plantas incapazes de expandir suas raízes tanto em profundidade quanto em volume enfrentam dificuldades na absorção de água e nutrientes, tornando-se mais sensíveis a veranicos e tendo sua produtividade reduzida (Quaggio & van Raij, 2022).
Ainda na década de 1960, identificou-se que os principais fatores limitantes para o crescimento radicular são a toxicidade do alumínio (Al) e a deficiência de cálcio (Ca), que podem ocorrer de forma isolada ou simultânea, como geralmente ocorre em solos tropicais predominantes no Brasil (Quaggio, van Raij, 2022).
A toxicidade do alumínio prejudica a multiplicação celular nas raízes, enquanto a deficiência de cálcio, devido ao seu papel essencial na formação das estruturas celulares e à sua absorção restrita às extremidades jovens das raízes, pode impedir o crescimento contínuo do sistema radicular caso o nutriente não esteja facilmente acessível ao longo do percurso das raízes (Quaggio & van Raij, 2022).
Dessa forma, considerando que a maioria dos solos brasileiros é altamente intemperizada, é comum encontrar altos teores de alumínio e baixos níveis de cálcio, o que representa um desafio para a atividade agrícola e exige intervenções para corrigir essas condições, proporcionando um ambiente adequado ao crescimento das plantas.
As práticas de calagem, gessagem e fosfatagem, que envolvem o uso de calcário, gesso agrícola e fontes de fósforo, respectivamente, demonstraram ser as estratégias mais eficazes para essa correção. Por essa razão, são amplamente adotadas na agricultura tropical brasileira (Quaggio & van Raij, 2022).
Índice
Amostragem e análise química do solo

O preparo do solo para a atividade agrícola pode ser comparado à construção de uma casa, onde a amostragem do solo para análise química representa o alicerce. Sem uma base sólida, toda a estrutura fica comprometida, e o investimento pode ser perdido.
Por mais precisa que seja a análise química do solo, ela não é capaz de corrigir erros cometidos durante a coleta do material ou de sua representatividade. (Boletim 100, 2022).
A quantidade de terra enviada ao laboratório para análise química é ínfima próximo a realidade do que está sendo amostrado (Chitolina et al., 2009):
- Peso médio da camada arável de 1 ha de solo: 2.000.000 kg
- Peso médio da amostra enviada ao laboratório: 0,5 kg
- Peso médio efetivamente utilizado pelo laboratório: 0,01 kg
Por essa razão, é fundamental seguir corretamente todas as recomendações de coleta, garantindo que as amostras sejam representativas. O objetivo dessas diretrizes é minimizar as variações do solo, que podem ter diferentes origens e demandam estratégias específicas de correção e adubação. Para a divisão em glebas homogêneas, devem-se considerar fatores como tipo de solo, topografia, vegetação e histórico da cultura de manejo da área (Chitolina et al., 2009).
Abaixo, como exemplo, está ilustrado um plano de amostragem para quatro áreas, no qual há a necessidade de coletar 10 amostras compostas. As amostras simples (subamostras) são coletadas percorrendo o terreno em zigue-zague.

Fonte: Chitolina et al. (2009).
Cada amostra composta enviada ao laboratório é formada por 15 a 20 subamostras coletadas nas glebas, as quais são homogeneizadas, com a quebra de torrões e a remoção de gravetos e outros resíduos presentes. Em seguida, o material é acondicionado em sacos contendo entre 250 e 500 g de solo.
Acima de 20 subamostras, a redução da variação em relação à média torna-se pouco significativa, enquanto o esforço necessário para a amostragem aumenta consideravelmente (Boletim 100, 2022).

Fonte: Boletim 100 (2022)
Existem diferentes recomendações para a coleta de solo, que variam conforme o tipo de cultura — anual, perene ou semiperene. Boletins técnicos de calagem e adubação, como o Boletim 100, Boletim Cerrado e Boletim Paraná, compilam as orientações específicas para cada cultura, sendo ferramentas indispensáveis para técnicos e produtores agrícolas.
Para a coleta, podem ser utilizados sonda ou trado. Os modelos mais comuns são o trado de rosca, o trado meia-lua (calador) e o trado holandês. A pá de corte também é uma alternativa viável, embora exija mais tempo para a amostragem (Chitolina et al., 2009). O calador é mais indicado para amostragens superficiais, enquanto o trado holandês proporciona amostras menos influenciadas pela textura e pelo teor de umidade do solo (Chitolina et al., 2009).
No momento da coleta, é essencial limpar o ponto selecionado, removendo vegetação, folhas, ramos e pedras. Além disso, após a retirada da amostra com o trado, deve-se limpar suas laterais com um canivete para eliminar resíduos de camadas superiores, procedimento conhecido como toilette.

Fonte: Chitolina et al. (2009).
A análise química do solo permite identificar deficiências nutricionais e obstáculos ao desenvolvimento vegetal. Os parâmetros associados à acidez são o pH (medido em água ou, mais comumente, em CaCl2) e saturação por bases (V%), combinados aos parâmetros de concentração de alumínio trocável (Al3+), os cátions trocáveis (Ca2+, Mg2+ e K+) e ainda a acidez potencial (H+ + Al3+). Esses dados são essenciais para os cálculos de correção do solo e adubação (Boletim 100, 2022).
A partir desses parâmetros, é possível obter outros atributos e propriedades do solo como:

A interpretação dos resultados obtidos na análise de solo, retornada pelo laboratório, é uma etapa crucial que antecede as práticas de correção do solo. Para a acidez, as classes definidas são:
Classes de acidez | pH em CaCl2 | Saturação por bases | V (%) |
Muito alta | < 4,4 | Muito baixa | < 25 |
Alta | 4,4 – 5,0 | Baixa | 25 – 50 |
Média | 5,1 – 5,5 | Média | 50 – 70 |
Baixa | 5,6 – 6,0 | Alta | 70 – 90 |
Muito baixa | > 6,0 | Muito alta | > 90 |
Fonte: Boletim 100 (2022).
A correção da acidez
Os corretivos agrícolas, como mencionado anteriormente, são ferramentas essenciais para o agricultor. Seu papel na correção do pH dos solos foi fundamental para o avanço da agricultura tropical brasileira no Cerrado, colocando o país no topo do ranking mundial de produtores.
A necessidade de aplicação de calcário decorre do perfil ácido predominante em grande parte dos solos brasileiros, acidez esta resultante dos processos de formação dos solos tropicais e subtropicais, que são altamente intemperizados e oxídicos, com elevados percentuais de óxidos de ferro (Fe) e alumínio (Al).
A correção da acidez do solo é crucial para a disponibilidade de nutrientes , a qual varia conforme o pH, definido pela concentração de íons de hidrogênio na solução do solo. Em solos excessivamente ácidos (pH baixo), a disponibilidade de nutrientes essenciais, como fósforo, cálcio, magnésio, potássio e molibdênio, diminui. Por outro lado, a disponibilidade de elementos como zinco, cobre, ferro, manganês e alumínio tendem a aumentar, podendo atingir níveis tóxicos para as plantas, dependendo das práticas de manejo adotadas. Assim, a faixa de pH considerada ideal para a maioria das culturas está entre 6 e 6,5 (Figura 3).

Fonte: Adaptado de Malavolta (1989) por Veloso et al. (2020)
Essa acidez está relacionada ao equilíbrio entre a fase sólida e a solução do solo. A acidez presente na solução é denominada acidez ativa, enquanto a acidez da fase sólida, que pode ser centenas ou milhares de vezes maior, é chamada acidez potencial (Motta e Melo, 2019).
A acidez ativa é expressa em pH e determina o potencial de H⁺ na solução do solo em equilíbrio com os coloides. A medição dessa atividade de H⁺ pode ser realizada por meio de métodos de obtenção da solução do solo, tanto em campo quanto em laboratório.
A acidez potencial está relacionada ao hidrogênio e ao alumínio, permanecendo na fase sólida, sendo frequentemente retratada como o poder tampão do solo. Ela é dividida em acidez trocável e acidez não trocável. A acidez trocável está relacionada ao alumínio que se encontra ligado eletrostaticamente à superfície dos coloides, sendo passível de remoção por meio de uma solução de cloreto de potássio. Por outro lado, a acidez não trocável refere-se ao hidrogênio vinculado aos coloides, o qual não pode ser trocado diretamente e só será dissociado quando o pH do solo aumentar.

Fonte: Lopes e Guilherme (1990) e Quaggio (2000).
MINERALOGIA DO CALCÁRIO
O calcário é uma rocha sedimentar composta principalmente por carbonato de cálcio e é amplamente utilizado em diversas indústrias, com diferentes finalidades. Na agricultura, sua principal aplicação é na correção da acidez do solo, proporcionando benefícios significativos para o desenvolvimento das culturas (CALCÁRIO…, 2022).
No mercado brasileiro, há uma ampla variedade de tipos de calcário. Embora todos atuem como corretivos da acidez, suas composições e finalidades podem variar. A escolha do calcário ideal para cada situação deve considerar as características específicas de cada tipo, como descrito a seguir (CALCÁRIO…, 2022):
Calcário Calcítico: Rico em óxido de cálcio (40% a 45% de CaO), este tipo de calcário contém até 5% de óxido de magnésio (MgO). É recomendado para solos que necessitam de mais cálcio, mas apresentam pouca demanda por magnésio.
Calcário Magnesiano: Apresenta uma composição equilibrada, com teores de óxido de magnésio variando de 5,1% a 12%. Este tipo é indicado para solos que precisam de cálcio e magnésio em proporções balanceadas.
Calcário Dolomítico: Com mais de 12% de óxido de magnésio, é a opção ideal para solos com teores insuficientes desse elemento.
Calcário Filler: Embora não constitua um tipo distinto de calcário, o calcário filler é uma variação granulométrica mais fina dos tipos anteriores. Devido à sua granulometria reduzida, reage mais rapidamente no solo, sendo especialmente útil em práticas como o plantio direto.
Otto e Nascimento (s.d.) recomendam sempre a preferência por calcários com teores de MgO superiores a 12%, uma vez que a concentração de magnésio no solo, geralmente inferior a 12 mmolc dm³ na camada de 0 a 20 cm, torna esse nutriente o mais limitante em áreas agrícolas. Enquanto o cálcio é fornecido por diversos produtos usados na atividade agrícola, seus teores raramente representam um problema. Já o magnésio, por ser essencial e sua única forma prática e econômica de fornecimento ser através do calcário, exige especial atenção. Por isso, é sempre recomendada a escolha de calcários com altos teores de magnésio.
Além disso, ao escolher o calcário, diversas informações que caracterizam o produto são fornecidas. Para uma compra consciente, é essencial compreender o significado dessas características. Dentre elas, as mais relevantes para a neutralização da acidez do solo são o poder de neutralização (PN) e a reatividade (RE) do material, que levam em conta a granulometria e os teores de cálcio e magnésio (Brasil et al., 2020).
A eficiência neutralizante de um corretivo é determinada pelo conteúdo de óxido de cálcio (CaO), óxido de magnésio (MgO) e pela granulometria, que é avaliada com o uso das peneiras ABNT nº 10 (2 mm), nº 20 (0,84 mm) e nº 50 (0,30 mm). Esses parâmetros são combinados em um único valor que indica a qualidade do corretivo, conhecido como Poder Relativo de Neutralização Total (PRNT), e é representado pela seguinte expressão:

O PN é determinado em laboratório por meio de um método analítico conforme a legislação vigente. A RE indica o percentual do corretivo que reage no solo em um período de 3 meses e é avaliada pela granulometria das partículas. A reatividade é zero para as partículas retidas na peneira ABNT nº 10, 20% para aquelas que passam pela peneira nº 10 e são retidas na peneira nº 20, 60% para as que passam pela peneira nº 20 e são retidas na peneira nº 50, e 100% para as partículas que passam pela peneira nº 50 (Brasil et al., 2020). Dessa forma, a equação expandida seria:

Onde:
Eq. CaCO3 = Poder de Neutralização (PN) = % CaO x 1,79 + % MgO x 2,48.
A = % de calcário que fica retido na peneira 10.
B = % de calcário que fica retido entre as peneiras 10 e 20.
C = % de calcário que fica retido entre as peneiras 20 e 50.
D = % de calcário que passa pela peneira 50.
De acordo com a legislação brasileira atual sobre corretivos, para que o calcário possa ser comercializado, o valor mínimo exigido para o PN é 67, enquanto o PRNT deve ser pelo menos 45%. As faixas de PRNT podem ser classificadas da seguinte forma:
- A: PRNT entre 45% e 60%;
- B: PRNT entre 60,1% e 75%;
- C: PRNT entre 75,1% e 90%.
Outros corretivos
Além do calcário, outros materiais são possíveis de se utilizar para corrigir a acidez do solo: são aqueles que possuem óxidos, hidróxidos, carbonatos e silicatos de cálcio e/ou magnésio como componentes neutralizantes ou princípios ativos (Brasil et al., 2020).
Malavolta (1989) elencou alguns materiais comercializados como corretivos de acidez na seguinte tabela:
Materiais corretivos de acidez | Poder de neutralização (% em CaCo₃) | % CaO + % MgO |
Calcários | 67 | 38 |
Cal virgem agrícola | 125 | 68 |
Cal hidratada agrícola | 94 | 50 |
Escórias | 60 | 30 |
Calcário calcinado agrícola | 80 | 43 |
Outros | 67 | 38 |
Fonte: Adaptado de Malavolta (1989).
Reações no solo
Quando aplicado ao solo, seja incorporado ou a lanço, o calcário agrícola passa por uma série de reações químicas que resultam na neutralização da acidez do meio. Essas reações ocorrem da seguinte forma:
Ca, Mg (CO3)2 +H2O (solo) Ca++ + Mg++ + 2CO32-
CO32– + H2O (solo) HCO3– + OH–
HCO3– + H2O (solo) H2CO3 + OH–
As hidroxilas (OH⁻) liberadas reagem com os íons H⁺ presentes na solução do solo, formando água. Além disso, reagem com o alumínio (Al³⁺), dando origem ao hidróxido de alumínio (Al(OH)₃), que se precipita, reduzindo a toxicidade desse elemento para as plantas.
OH– + H+ (solução do solo) H2O
3OH– + Al3+ Al(OH)3 (precipitado)
O tempo necessário para que o calcário reaja no solo e converta o carbonato em hidroxila pode levar até três meses, devido à sua baixíssima solubilidade (Pavinato, 2024).
Embora as reações químicas variem entre os diferentes tipos de corretivos de acidez, todos atuam de forma semelhante, promovendo a liberação de hidroxilas (OH⁻), que neutralizam os íons H⁺ da solução do solo (Pavinato, 2024).
Atualmente, também se discute amplamente o efeito residual dos calcários. O efeito residual (ER) refere-se à fração do Poder de Neutralização (PN) que não reage imediatamente devido à granulometria mais grosseira do material, podendo atuar posteriormente no solo.

Cálculo da necessidade de calagem
Para o cálculo da necessidade de calcário a ser aplicado existem alguns métodos utilizados no Brasil e muitos outros no mundo inteiro. Contudo, algumas fórmulas se consolidaram e são mais utilizadas que outras.
O Boletim 100 de adubação e calagem para o estado de São Paulo define como oficial o método da saturação por bases, deduzido por Quaggio (1983) e Quaggio et al. (1985):

Na qual:
NC = Necessidade de calagem, em t ha-1 por 0,20 m de profundidade, ou o volume de 2.000 m3 de solo da camada arável;
CTC = Capacidade de troca de cátions, em mmolc dm-3;
V2 = Saturação por bases desejada para a cultura, em %;
V1 = Saturação por bases atual do solo, em %;
PRNT = Poder Relativo de Neutralização Total, que mede a capacidade neutralizante do corretivo, em %.
A saturação por bases é um índice quantitativo e preciso que indica a quantidade necessária de calcário. O pH do solo depende da saturação por bases e pode ser determinado pela equação:
pHCaCl2 = 3,7 + 0,027V%
Os valores desejáveis de saturação por bases (V₂) variam de acordo com a tolerância da cultura à acidez ou sua resposta à calagem (Boletim 100, 2022).
Outro método frequentemente utilizado para recomendação da calagem é o baseado no alumínio trocável e na elevação dos teores de cálcio (Ca²⁺) e magnésio (Mg²⁺). Esse método considera a necessidade de neutralização do alumínio trocável no solo, utilizando-o como critério para determinar a dose de calcário. A quantidade recomendada é calculada multiplicando-se o teor de alumínio por um fator de 1,5 ou 2,0, dependendo da sensibilidade da cultura (Kamprath, 1970 apud Brasil et al., 2020). Além disso, busca-se elevar os teores de cálcio e magnésio para um mínimo de 2 cmolc dm⁻³.

*teores em cmolc dm-3
Técnicas de aplicação
Os corretivos da acidez do solo atuam principalmente a curto prazo e apenas na área tratada, uma vez que o calcário reage de forma relativamente lenta. Por isso, para maximizar os benefícios, especialmente na primeira cultura, recomenda-se aplicá-lo com antecedência, garantindo uma distribuição uniforme e incorporando-o o mais profundamente possível. com antecedência suficiente para permitir sua reação no solo antes do plantio. No entanto, caso isso não seja viável, é preferível aplicar o calcário próximo à semeadura do que não a realizar (Boletim 100, 2022).
A importância da incorporação do calcário reside no fato de que a acidez não está restrita à camada superficial do solo (0–20 cm), mas ocorre ao longo do perfil, uma vez que os diferentes horizontes do solo apresentam variações significativas em seus atributos químicos, físicos, mineralógicos e biológicos.
A eficiência da calagem pode ser reduzida por fatores como a aplicação desuniforme e a incorporação superficial do corretivo. A aplicação desuniforme resulta em áreas com solo ácido, prejudicando o desenvolvimento das plantas. Já a incorporação superficial pode levar à “supercalagem” na camada superior do solo, ocasionando deficiências de micronutrientes e restringindo o crescimento radicular em profundidade devido à manutenção da acidez subsuperficial (Boletim 100, 2022).
Para garantir uma incorporação mais homogênea, recomenda-se dividir a dose recomendada de calcário em duas aplicações. Primeiramente, aplica-se metade da dose, seguida da incorporação com grade semipesada e uma aração profunda ou grade pesada. Em seguida, a segunda metade da dose é aplicada e incorporada com grade semipesada (Boletim 100, 2022).
A correção adequada da acidez do solo, que envolve o revolvimento e a incorporação mecânica do calcário, deve ser realizada antes da adoção do sistema de plantio direto (SPD). Após a implementação do SPD, as correções da acidez são feitas periodicamente, aplicando os corretivos apenas na superfície do solo (Boletim 100, 2022).
Gessagem
A calagem é uma prática eficaz para melhorar os aspectos químicos da superfície do solo. No entanto, isoladamente, ela não é suficiente para corrigir o subsolo, onde altas concentrações de alumínio e baixos teores de cálcio podem limitar o crescimento radicular. Esse fator resulta em sistemas radiculares pouco desenvolvidos, incapazes de crescer em profundidade e explorar a umidade e os nutrientes disponíveis nas camadas inferiores do solo, tornando as plantas mais suscetíveis ao estresse hídrico.
O gesso agrícola é um sal solúvel composto, em média, por 19% de cálcio (Ca) e 15% de enxofre (S) na forma de sulfato de cálcio di-hidratado (CaSO₄·2H₂O). Ele é utilizado tanto como fonte de nutrientes (Ca e S) quanto como condicionador da subsuperfície do solo, minimizando os efeitos da acidez em camadas mais profundas e contribuindo para a correção de solos sódicos. De acordo com a legislação brasileira, o gesso é classificado como corretivo de sodicidade e condicionador de solo.
A aplicação do gesso agrícola, prática conhecida como gessagem, reduz a saturação por alumínio e aumenta os teores de cálcio e enxofre no subsolo, sendo uma técnica fundamental para otimizar o uso da maioria dos solos brasileiros (Vitti et al., 2008). Além disso, o gesso promove a movimentação de cátions, como cálcio (Ca²⁺), potássio (K⁺) e magnésio (Mg²⁺), ao longo do perfil do solo, aumentando a disponibilidade desses nutrientes em profundidade e reduzindo a saturação por alumínio e seus efeitos tóxicos (Veloso et al., 2020).
O sulfato de cálcio (CaSO4), principal constituinte do gesso agrícola, pode ocorrer naturalmente sob três formas:
- anidrita;
- gipsita (gesso natural);
- gesso agrícola (fosfogesso).
Atualmente, a fonte mais utilizada na agricultura é o fosfogesso, um subproduto da indústria de fertilizantes fosfatados (STP, MAP e DAP), obtido a partir do ataque sulfúrico à rocha fosfática.
O gesso apresenta uma solubilidade de 0,204 g 100 mL⁻¹ em água a 25°C, significativamente superior à do calcário (0,0014 g 100 mL⁻¹). Isso permite que o gesso se mova ao longo do perfil do solo, ao contrário do calcário, que permanece mais restrito à camada onde foi incorporado.
É importante ressaltar que o gesso não deve ser utilizado como corretivo de acidez do solo. Além disso, sua aplicação em mistura com corretivos de acidez pode reduzir o poder relativo de neutralização total (PRNT) da calagem, uma vez que o gesso não possui efeito neutralizante sobre a acidez do solo (Veloso et al., 2020).
Reações do gesso no solo
Pavan et al. (1992) assumem que o gesso aplicado ao solo apresenta o seguinte mecanismo de dissociação:

Nessa reação, aproximadamente 50% do gesso aplicado se dissocia em íons de cálcio (Ca²⁺) e sulfato (SO₄²⁻), que participam, respectivamente, de trocas catiônicas e aniônicas na superfície dos coloides do solo. Já a fração neutra (CaSO₄⁰) é móvel no perfil do solo, movendo-se como um par iônico (CaSO₄⁰, MgSO₄⁰, KSO₄⁻) em direção ao subsolo, promovendo o aumento dos teores desses elementos em profundidade (Veloso et al., 2020).
Quando o gesso é aplicado após a calagem, observa-se que, após a dissolução, o sulfato se desloca para camadas mais profundas, acompanhado principalmente pelo cálcio (Vitti et al., 2008).
Devido a essa dinâmica, o gesso agrícola desempenha diversas funções no solo, entre as quais se destacam:
- Efeito fertilizante: atua como fonte de cálcio e, especialmente, enxofre (Vitti et al., 2008).
- Efeito na redução de salinidade: grande parte do fornecimento de potássio (K⁺) ocorre via cloreto de potássio (KCl), a fonte mais econômica. No entanto, o uso dessa fonte libera cloro (Cl⁻) no solo, contribuindo para um alto índice salino, superior ao do nitrato de sódio (NaCl). O gesso agrícola pode auxiliar na mitigação desse problema, deslocando o cloreto (Cl⁻) proveniente do KCl (Vitti et al., 2008).
- Condicionador de subsuperfície: o cálcio fornecido pelo gesso pode deslocar os íons de alumínio (Al³+) da superfície dos coloides para a solução do solo. Uma vez dissociado, o sulfato se liga ao alumínio em profundidade, formando AlSO₄⁺, reduzindo sua atividade na solução do solo e minimizando sua toxidez para as plantas (Vitti et al., 2008).


Dessa forma, o gesso contribui para a melhoria do ambiente radicular ao:
(i) aumentar a disponibilidade de cálcio em profundidade, (ii) reduzir a saturação por alumínio (m%), por meio do aumento da participação do cálcio na CTC efetiva, e (iii) diminuir a absorção de alumínio pelas raízes, devido à formação do complexo AlSO₄⁺ (Vitti et al., 2008).

Fonte: Vitti e Priori (2009)
Portanto, o gesso não tem a função de corrigir a acidez do solo nem de reduzir o alumínio trocável (Al³⁺), mas sim de modificar sua forma iônica, convertendo Al³⁺ em AlSO₄⁺ (menos tóxico), tornando o ambiente radicular mais favorável ao desenvolvimento das plantas.
Diagnóstico para a recomendação
Segundo Vitti (2000), a recomendação de gesso para o condicionamento da subsuperfície do solo exige a realização da amostragem em profundidades de 20-40 cm e 40-60 cm para culturas anuais, e até 60-80 cm para culturas perenes. Dependendo do método utilizado, pode ser necessária também a determinação do teor de argila.
A necessidade de gessagem é indicada quando pelo menos um dos seguintes critérios for atendido:
- Cálcio (Ca²⁺) < 5,0 mmolc dm⁻³ (0,5 cmolc dm⁻³)
- Alumínio (Al³⁺) > 5,0 mmolc dm⁻³ (0,5 cmolc dm⁻³)
- Saturação por alumínio (m%) > 20%
- Saturação por bases (V%) < 35%
A recomendação e o cálculo da necessidade de gessagem (NG) são baseados na textura do solo (% de argila) ou na saturação por bases (V%) e na CTC das camadas subsuperficiais, conforme descrito a seguir.
- Com base no teor de argila das camadas subsuperficiais
- Para culturas anuais

- Para culturas perenes

Sendo:
NG = necessidade de gesso (kg ha-1)
Textura do Solo | Dose de Gesso Agrícola (kg/ha) Culturas Anuais Culturas Perenes | |
Arenosa (<15% argila) | 700 | 1050 |
Média (16% a 35% argila) | 1200 | 1800 |
Argilosa (36% a 60% argila) | 2200 | 3300 |
Muito argilosa (>60% argila) | 3200 | 4800 |
Fonte: Adaptado de Sousa; Lobato; Rein (2005)
- Com base na saturação por bases (V%) e CTC das camadas subsuperficiais. Segundo a equação de Vitti et al. (2006):

Sendo:
NG = necessidade de gesso (t ha-1)
V2 = saturação por bases esperada (50%)
V1 = saturação por bases atual na camada 20-40 ou 25-50 cm (%)
CTC = capacidade de troca catiônica na camada 20-40 ou 25-50 cm (mmolc dm-3)
Na Tabela 4 são apresentados os dados de recomendação de doses de gesso, considerando que a utilização de 1,0 t ha-1 eleva o teor de bases (Ca) do solo em 5,0 mmolc .dm-3.
CTC (mmolc.dm-3 | V (%) | Doses de gesso (t.ha-¹) | |
<30 | <10 10 20 20 35 | 2,0 1,5 1,0 | |
30 – 60 | <10 10 20 20 35 | 3,0 2,0 1,5 | |
60 – 100 | <10 10 20 20 35 | 3,5 3,0 2,0 |
Fonte: Adaptado de Demattê, (1986)
Segundo Vitti et al. (2008), a aplicação de gesso deveria ocorrer após a correção da camada superficial do solo, caso contrário, é possível que o sulfato (SO4) carregue bases como potássio e magnésio em profundidade, onde são inacessíveis à grande porção da raiz da planta.
Fosfatagem
A deficiência de fósforo limita significativamente a produtividade das culturas, especialmente em solos ácidos ou pouco adubados. Com o tempo, à medida que os cultivos e adubações subsequentes são realizados, os níveis de disponibilidade de fósforo tendem a aumentar a cada safra. No entanto, para alcançar altos teores de fósforo disponível, especialmente em solos argilosos, é necessário utilizar doses elevadas de fósforo na adubação.
Os solos brasileiros e tropicais, em sua maioria, apresentam um alto potencial de fixação de fósforo, o que pode acarretar grandes prejuízos à atividade agrícola, devido aos elevados custos de fertilizantes e à significativa perda de produtividade caso haja deficiência desse nutriente no solo (Pavinato, 2024).
A adubação corretiva em área total, focada no macronutriente fósforo (P), é denominada fosfatagem. O objetivo dessa prática é elevar os níveis de fósforo no solo por meio do uso de fertilizantes de baixa solubilidade e aumentar a eficiência da adubação fosfatada, promovendo a saturação dos sítios de adsorção de fósforo até um nível crítico de 15 mg dm-³ (P resina) (Pavinato, 2024).
Diferente da adubação fosfatada, que visa fornecer fósforo para as plantas, a fosfatagem tem como objetivo fornecer fósforo ao solo, sendo, portanto, uma prática corretiva. O fósforo é distribuído em toda a área e incorporado superficialmente, a uma profundidade de 10 a 20 cm. A fosfatagem deve ser realizada após a calagem, pois, em solos com acidez corrigida, o fósforo é menos fixado.

Fonte: Adaptado de Price (2006).
A adubação de plantio, se não foi precedida pela fosfatagem, sofre com o menor aproveitamento do fertilizante aplicado, em razão da fixação de fósforo no solo. Além disso pode ocorrer uma concentração excessiva de raízes no sulco de semeadura, o que causa um menor aproveitamento da adubação de cobertura e absorção de água do solo (Pavinato, 2024).
Os critérios para a recomendação da fosfatagem, em P resina, são:
- CTC < 60 mmolc dm-3 ou argila > 30%
- P resina < 15 mg dm-3
E a quantidade recomendada a ser aplicada é de 5 kg P2O5 para cada 1% de argila, ou, para elevar 1 mg dm-3 de P resina, é necessário aplicar 10 kg ha-1 de P2O5 (Pavinato, 2024).
Alguns técnicos desaconselham a prática de fosfatagem em solos argilosos devido ao seu elevado poder de fixação, o que exige doses elevadas de P₂O₅. No entanto, segundo Souza et al. (2006), a recomendação de adubação fosfatada corretiva pode ser realizada levando-se em consideração a capacidade tampão de fósforo em solos com até 70% de argila, sendo a seguinte fórmula:
Dose de P2O5 (kg ha-1) = (Nível crítico de P no solo – teor atual de P no solo) x CT
Onde CT é a capacidade tampão de fósforo, que representa a dose de P₂O₅ a ser aplicada para elevar 1 mg dm³ de fósforo, de acordo com os extratores de Mehlich 1 e resina. Os níveis críticos e os valores de CT em função do teor de argila estão descritos na Tabela 5. Solos com teores de P acima do nível crítico não necessitam de fosfatagem.
Teor de Argila | Nível crítico de fósforo para o sistema de sequeiro | Capacidade tampão de fósforo (CT) | |||
% | Mehlich 1 | Resina | Mehlich 1 | Resina | |
————–mg/dm³————– | —-(kg P2O5/ha) / (mg/dm³ de P)—- | ||||
10 – 15 | 20 | 15 | 5 | 6 | |
16 – 25 | 17 | 15 | 7 | 8 | |
26 – 35 | 15 | 15 | 10 | 10 | |
36 – 45 | 12 | 15 | 16 | 12 | |
46 – 55 | 9 | 15 | 26 | 15 | |
56 – 65 | 6 | 15 | 42 | 17 | |
66 – 70 | 4 | 15 | 70 | 19 |
Fonte: Adaptado de Sousa et al. (2006)
Os insumos que podem ser utilizados para a fosfatagem devem ter seu teor de P2O5 solúvel em ácido cítrico conhecido, a fim de calcular corretamente a quantidade necessária. As fontes que podem ser empregadas incluem: (i) fosfato natural reativo (FNR), (ii) termofosfato magnesiano, (iii) fósforo orgânico (como a torta de filtro) e (iv) fósforo organomineral. As fontes de baixa solubilidade são as mais recomendadas, pois apresentam menor custo e solubilizam-se gradualmente no solo.

Conclusão
Com os conhecimentos abrangentes sobre a correção química do solo apresentados neste guia, os produtores agrícolas dispõem de ferramentas essenciais para otimizar a produtividade em solos tropicais. As práticas de calagem, gessagem e fosfatagem se destacam como estratégias eficazes para superar as limitações químicas dos solos, promovendo o crescimento radicular e a absorção de nutrientes. A compreensão detalhada dos métodos de amostragem e análise química do solo, assim como a seleção e aplicação adequadas dos corretivos, são fundamentais para garantir um manejo sustentável e eficiente do solo. Dessa forma, a utilização correta desses métodos não só melhora a qualidade do solo, mas também assegura o aumento da produtividade agrícola, fortalecendo a agricultura brasileira em diversos biomas e contribuindo para a segurança alimentar.
Referências bibliográficas
BRASIL, Edilson Carvalho; CRAVO, Manoel da Silva; VIÉGAS, Ismael de Jesus Matos (ed.). Recomendações de calagem e adubação para o estado do Pará. 2. ed. Brasília: Embrapa Amazônia Oriental, 2020. 424 p.
CALCÁRIO agrícola: Saiba tudo sobre essa técnica. Saiba tudo sobre essa técnica. 2022. Disponível em: https://www.yarabrasil.com.br/conteudo-agronomico/blog/calcarioagricola/#:~:text=O%20calcário%20é%20uma%20rocha,impactos%20positivos%20para%20os%20cultivos.
CHITOLINA, José Carlos et al. Amostragem de solo para análises de fertilidade, de manejo e de contaminação. In: SILVA, Fábio Cesar da (ed.). Manual de análise químicas de solo, plantas e fertilizantes. 2. ed. Brasília, Df: Embrapa Informação Tecnológica, 2009. Cap. 1. p. 23-57.
DEMATTÊ, J. L. I. Solos arenosos de baixa fertilidade: estratégia de manejo. In: SEMANA AGROINDUSTRIAL, 5, SEMANA “LUIZ DE QUEIROZ”, 29, 1986, Piracicaba. Anais… Piracicaba: USP/ESALQ, 1986. (Mimeografado.)
LOPES, A. S.; GUILHERME, L. R. G. Uso eficiente de fertilizantes: aspectos agronômicos. São Paulo: ANDA, 1990. 60 p. (ANDA. Boletim técnico, 4).
MACHADO, Bianca de Almeida. O que é a prática da fosfatagem? 2021. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-fosfatagem/.
MALAVOLTA, E. ABC da Adubação. 5. ed. São Paulo: Agronômica Ceres, 1989. 292 p.
MOTTA, Antônio Carlos Vargas; MELO, Vander de Freitas. Química dos Solos ácidos. In: MELO, Vander de Freitas; ALLEONI, Luís Reynaldo Ferracciú (ed.).
Química e mineralogia dos solos: conceitos básicos e aplicações. Viçosa: SBCS, 2019. Cap. 12. p. 1009-1076.
OTTO, Rafael; NASCIMENTO, Carlos A.C.. NUTRIÇÃO E ADUBAÇÃO DA SOJA E MILHO PARA ALTOS RENDIMENTOS. (Não publicado).
PAVAN, M. A. et al. Manual de análise química de solo e controle de qualidade. Londrina: IAPAR, 1992.
PAVINATO, Paulo Sergio. Corretivos agrícolas: uso eficiente e efeitos na produção. Piracicaba: Esalq, 2024. Color.
QUAGGIO, José Antonio et al. Cana-de-açúcar. Boletim 100: recomendações de adubação e calagem para o Estado de São Paulo. Campinas: IAC, 2022.
QUAGGIO, José Antonio. Acidez e calagem em solos tropicais. Campinas: Instituto Agronômico, 2000. 111 p.
SOUSA, D. M. G.; LOBATO, E.; REIN, T. A. Recomendação de adubação fosfatada com base na capacidade tampão de fósforo para a região do Cerrado. Reunião Brasileira de Solo e Nutrição de Plantas, v. 27, 2006.
SOUSA, D. M. G.de; LOBATO, E.; REIN, T. A. Uso do gesso agrícola nos solos do Cerrado. 2. ed. Planaltina: EMBRAPA-CPAC, 2005. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/568533/1/cirtec32.pdf.
VELOSO, Carlos Alberto Costa et al. Correção da acidez do solo. In: BRASIL, Edilson Carvalho et al. Recomendações de adubação para o estado do Pará. 2. ed. Brasília, Df: Embrapa, 2020. p. 121-131. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1125022/recomendacoes-de-calagem-e-adubacao-para-o-estado-do-para.
VITTI, Godofredo Cesar et al. Uso do gesso em sistemas de produção agrícola. Piracicaba: GAPE, 2008.