A fruticultura brasileira ocupa uma posição estratégica na economia agrícola, não apenas pelo fornecimento interno de frutas frescas e processadas, mas também pela crescente presença nos mercados internacionais. No entanto, o sucesso dos pomares está diretamente ligado à sanidade vegetal, especialmente frente ao constante desafio representado pelas doenças causadas por fungos, bactérias e vírus. Esses agentes patogênicos podem comprometer desde o vigor das plantas até o valor comercial dos frutos. Nesse cenário, o diagnóstico precoce das doenças e a adoção de estratégias eficazes de controle tornam-se fundamentais para garantir produtividade, qualidade e sustentabilidade. Entre essas estratégias, destaca-se o controle microbiológico, uma abordagem cada vez mais valorizada por sua eficiência e menor impacto ambiental.
Além de reduzir o uso de defensivos químicos convencionais, os métodos biológicos têm demonstrado alta capacidade de supressão de patógenos, ao mesmo tempo em que fortalecem os mecanismos naturais de defesa das plantas. No entanto, para que esses recursos sejam bem aplicados, é imprescindível que os produtores e técnicos agrícolas saibam identificar corretamente as doenças presentes no pomar e entender como os agentes biológicos podem ser incorporados ao manejo integrado.
Neste artigo, abordaremos os principais métodos de diagnóstico fitossanitário em pomares e exploraremos como o controle microbiológico pode ser uma alternativa viável, eficaz e sustentável para evitar perdas significativas.
Índice
A importância do diagnóstico precoce de doenças em pomares
Um diagnóstico eficiente é o ponto de partida para qualquer estratégia de controle fitossanitário bem-sucedida. Em pomares, onde a longevidade das plantas e o retorno financeiro por hectare são fatores críticos, a detecção antecipada de doenças é essencial para preservar a estrutura produtiva e manter a sanidade do solo e da copa ao longo do ciclo produtivo.
As doenças em frutíferas, como a pinta preta nos citros (Guignardia citricarpa), o cancro europeu em macieiras (Neonectria galligena) e a antracnose em mangueiras (Colletotrichum spp.), entre outras, apresentam sintomas que muitas vezes se confundem com deficiências nutricionais ou estresses ambientais. Por isso, o diagnóstico visual deve sempre ser complementado por análises laboratoriais quando possível. O uso de ferramentas tecnológicas como sensores remotos, imagens de drones com câmeras multiespectrais e aplicativos de campo tem evoluído significativamente, permitindo maior precisão e rapidez na identificação de áreas afetadas.
Outro recurso importante para o diagnóstico é a capacitação contínua das equipes de campo. Técnicos bem treinados conseguem reconhecer sinais sutis de doenças, como alterações em folhas, manchas iniciais, deformações ou queda prematura de frutos. Amostras suspeitas podem ser coletadas e enviadas a laboratórios especializados em fitopatologia, onde técnicas como PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), cultura em meio seletivo e microscopia são utilizadas para confirmar o agente causal.
Com o diagnóstico em mãos, torna-se possível classificar a gravidade da doença, entender sua dinâmica de disseminação e escolher a melhor estratégia de controle, ajustando o manejo de acordo com a realidade do pomar e o estágio fenológico da cultura.

Fonte: Revista Campo & Negócios
Desafios no controle químico e a necessidade de alternativas sustentáveis
Historicamente, o controle de doenças em pomares foi baseado no uso de fungicidas e bactericidas químicos. Embora esses produtos ofereçam controle eficaz em curto prazo, sua aplicação contínua tem levado a problemas como resistência de patógenos, desequilíbrios microbiológicos no solo e resíduos em frutos que dificultam a comercialização em mercados exigentes. Além disso, o custo elevado e a crescente regulamentação sobre defensivos químicos têm pressionado os produtores a buscar soluções mais sustentáveis.

Os fungicidas de contato e sistêmicos, quando utilizados de forma repetitiva, podem selecionar populações resistentes de fungos, como já se observou com espécies de Alternaria, Botrytis e Phytophthora. O uso inadequado também compromete microrganismos benéficos presentes no solo e na superfície das plantas, interferindo negativamente na dinâmica ecológica do pomar.
Com a ampliação do debate sobre a agricultura regenerativa e os impactos ambientais do modelo convencional, ganha espaço o conceito de manejo integrado de doenças (MID), que combina diferentes estratégias de controle — cultural, físico, genético, químico e biológico — de forma complementar e racional. O MID busca equilibrar eficácia no controle fitossanitário com a preservação ambiental, reduzindo a dependência de insumos químicos e minimizando o risco de resistência de patógenos. Essa abordagem integrada considera o ambiente de produção como um sistema dinâmico, onde o conhecimento sobre o ciclo das doenças, as condições climáticas e o manejo do solo e das plantas orienta a tomada de decisão. Dentro dessa perspectiva, o controle microbiológico desponta como um pilar central, ao oferecer ferramentas que agem de forma seletiva sobre os patógenos, respeitando os organismos benéficos, promovendo o equilíbrio biológico e fortalecendo a resiliência do agroecossistema.

Fonte: ResearchGate
Controle microbiológico: conceito, agentes e mecanismos de ação
O controle microbiológico consiste no uso de microrganismos benéficos — como fungos, bactérias e vírus — para inibir, competir ou parasitar agentes causadores de doenças. Diferente dos defensivos químicos, esses agentes agem por meio de interações biológicas complexas, como a produção de substâncias antimicrobianas, ocupação de nichos ecológicos e ativação de mecanismos de defesa nas plantas.
Entre os fungos mais utilizados no controle de doenças em pomares, destaca-se o gênero Trichoderma, conhecido por sua capacidade de colonizar a rizosfera e a superfície das folhas, atuando como antagonista direto de diversos fitopatógenos. Espécies como Trichoderma harzianum e Trichoderma asperellum são aplicadas via solo ou foliar e têm demonstrado bons resultados contra patógenos como Fusarium, Rhizoctonia e Sclerotinia.
As bactérias do gênero Bacillus, como Bacillus subtilis e Bacillus amyloliquefaciens, também são amplamente utilizadas por sua habilidade de formar biofilmes, produzir compostos antifúngicos e estimular a produção de fitoalexinas (atuam no sistema de defesa) nas plantas hospedeiras. Essas bactérias podem ser aplicadas via pulverização foliar e em tratamento de mudas, agindo preventivamente e fortalecendo a imunidade vegetal.
Além dos agentes antagonistas diretos, também existem microrganismos promotores de crescimento (MPCPs), como Pseudomonas fluorescens e Azospirillum brasilense, que embora não ataquem diretamente os patógenos, melhoram a saúde da planta, tornando-a menos suscetível às infecções. Outro campo promissor são os vírus entomopatogênicos e fungos entomopatogênicos, que controlam insetos vetores de doenças, como moscas das frutas e cigarrinhas, reduzindo a entrada de patógenos no pomar.

Fonte: Coopercitrus
Integração do controle microbiológico ao manejo fitossanitário em pomares
A adoção do controle biológico em pomares não deve ocorrer de forma isolada, mas integrada às demais práticas agrícolas. O sucesso depende de fatores como o ambiente do pomar, o estágio fenológico das plantas, a população do patógeno, a qualidade do solo e o histórico da área.
Uma das primeiras estratégias é o manejo do solo, pois a presença de matéria orgânica, boa estrutura física e equilíbrio microbiológico favorecem a sobrevivência e o estabelecimento dos agentes biológicos. Práticas como adubação verde, cobertura morta e rotação de culturas são aliadas importantes nesse processo. O uso de compostos orgânicos enriquecidos com microrganismos, como os biofertilizantes líquidos, também contribui para criar um ambiente propício ao controle natural.
Na parte aérea, o uso de caldas biológicas e biofungicidas comerciais pode ser incorporado ao calendário de pulverizações, especialmente em períodos críticos de infecção, como florada e enchimento de frutos. O monitoramento constante do pomar e o mapeamento de áreas com maior incidência de doenças permitem uma aplicação mais direcionada e eficiente dos produtos microbiológicos.
É importante destacar que os agentes biológicos são sensíveis a condições ambientais como radiação solar, temperatura e umidade, e por isso, o horário de aplicação e a formulação do produto devem seguir a recomendação do fabricante. Em geral, aplicações ao entardecer ou em dias nublados garantem melhor colonização e ação dos microrganismos.
Outro aspecto relevante é a compatibilidade dos produtos microbiológicos com os insumos convencionais utilizados no manejo. Nem todos os produtos químicos são prejudiciais aos biológicos, mas é preciso atenção às misturas em tanque e ao intervalo de aplicação. É importante ficar atento às tabelas de compatibilidade e recomendações técnicas específicas.
Por fim, a educação continuada dos produtores, técnicos e trabalhadores rurais é essencial para consolidar o uso do controle biológico como parte da rotina de manejo. Iniciativas como dias de campo, cursos de capacitação e acompanhamento técnico são fundamentais para garantir que o potencial dos agentes microbiológicos seja plenamente aproveitado, com resultados consistentes e duradouros.
Conclusão
O diagnóstico correto e precoce das doenças em pomares é o alicerce para um manejo fitossanitário eficaz, capaz de proteger a produção e garantir qualidade dos frutos. Nesse contexto, o controle microbiológico surge como uma alternativa promissora ao modelo tradicional baseado em agroquímicos. Além de ser uma estratégia compatível com os princípios da agricultura regenerativa e da produção sustentável, o uso de microrganismos benéficos oferece vantagens como redução de resíduos, preservação da biodiversidade e melhora na saúde do solo.
A integração desses agentes ao sistema de produção exige conhecimento técnico, planejamento e comprometimento com boas práticas agrícolas. Mas os resultados, tanto econômicos quanto ambientais, justificam o investimento. Com o avanço da biotecnologia e o acesso cada vez maior a soluções microbianas eficientes, os pomares brasileiros têm a oportunidade de fortalecer sua produtividade com mais equilíbrio.
Referências bibliográficas
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EMBRAPA. Controle biológico de doenças de plantas: princípios e aplicações. Disponível em: https://www.embrapa.br