As mudanças climáticas constituem uma crescente ameaça à cadeia de produção de alimentos global e postula novos desafios a diversos setores da sociedade, principalmente o agropecuário. Para este setor, direcionar o foco às adaptações necessárias para mitigar os estresses nas lavouras é de suma importância para garantir a sustentabilidade da produção de alimentos, e devem ser feitas com o uso intensificado de todo o conhecimento científico disponível (FAO, 2015).
Neste texto, buscaremos expor alguns dos impactos que as mudanças climáticas trazem à agricultura e quais os caminhos que já são ou podem ser adotados para mitigar essas ameaças.
Índice
Conceito: mudança x variabilidade climática
É comum que o conceito de mudança climática seja confundido com a variabilidade climática. A variabilidade climática é natural e se refere às flutuações nas condições climáticas que ocorrem em períodos mais curtos, como de ano para ano ou de década para década. Essas variações podem incluir anos ou meses mais quentes ou mais frios, sendo influenciadas por fenômenos climáticos naturais, como El Niño e La Niña. Por outro lado, mudanças climáticas envolvem alterações a longo prazo, que persistem por décadas ou séculos, como as variações nas médias de temperatura anuais ao longo de décadas e séculos (MARIN, 2024).
Segundo o relatório de fevereiro de 2025 do NOAA (National Centers for Environmental Information), com base no histórico de leituras de temperaturas anuais, 2024 foi o ano mais quente já registrado. Além disso, o ranking dos dez anos mais quentes da história não inclui nenhum ano anterior a 2015. Isso evidencia que estamos vivenciando uma mudança climática, apesar das variações naturais de ano para ano. O ranking dos anos mais quentes é o seguinte: 2024 (1º), 2023 (2º), 2016 (3º), 2020 (4º), 2019 (5º), 2017 (6º), 2015 (7º), 2022 (8º), 2018 (9º, empatado) e 2021 (9º, empatado).
Em janeiro de 2025, a temperatura média global da superfície terrestre e oceânica foi 1,33°C (2,39°F) acima da média do século XX, que era de 12,0°C (53,6°F), marcando o janeiro mais quente nos 176 anos de registros globais.

Fonte: NOAA, 2025
Efeitos das mudanças climáticas na agricultura brasileira
O impacto do aquecimento global sobre as plantas pode ser dividido em dois tipos de efeitos, conforme Droogers et al. (2004): os fisiológicos e os de interação planta-ecossistema. Esses efeitos podem ser tanto positivos quanto negativos e precisam ser compreendidos para o desenvolvimento de tecnologias capazes de mitigar as mudanças climáticas.
Prevê-se que o aumento da concentração de CO₂ na atmosfera tenha efeitos diretos sobre a fisiologia das plantas, uma vez que esse gás é essencial para o metabolismo vegetal. Em níveis elevados, o CO₂ pode induzir o fechamento parcial dos estômatos, reduzindo a perda de água por transpiração. Esse fenômeno pode trazer benefícios, como o aumento da produtividade, a melhoria da eficiência no uso de recursos e a menor suscetibilidade a alguns patógenos fúngicos. No entanto, a interação entre a elevação da concentração de CO₂ e o aumento da temperatura pode comprometer esses efeitos positivos, tornando essencial a avaliação conjunta desses fatores para reduzir incertezas quanto ao seu impacto na agricultura (FIGUEIREDO; GONDIM; ARAGÃO, 2017).
No que se refere aos efeitos da interação planta-ecossistema, o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) provoca o aquecimento global e, consequentemente, altera padrões climáticos, como regime de chuvas e intensidade dos ventos. Esses fatores geram impactos expressivos na agropecuária. No Brasil, alguns dos mais observados incluem o abortamento de flores em culturas como café, feijão e laranja, resultando em redução da produtividade; queda na produção de leite; maior incidência de abortos em porcas prenhas; e aumento na mortalidade de pintos de um dia (Assad, 2021).
Na produção de grãos, o déficit hídrico crescente tem afetado principalmente as lavouras de milho segunda safra e soja, causando perdas significativas de produtividade, especialmente no Sul do país e nos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul. Para efeito de comparação, a estiagem no Rio Grande do Sul reduziu a produção de soja em mais de 40% em 2020, enquanto as perdas na cultura do milho superaram 30% (Emater/RS apud Assad, 2021). O principal fator associado à queda na produtividade, especialmente nos grãos, é a deficiência hídrica, diretamente influenciada pelo aumento das temperaturas e pelas mudanças no regime de chuvas.
Uma análise de risco de perda de produção conduzida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em 2012 indicou que, entre as principais culturas agrícolas, apenas a cana-de-açúcar se beneficiaria do aumento da temperatura. Já culturas como algodão, milho, soja, feijão, girassol, café e arroz sofreriam perdas de produtividade, sobretudo em decorrência do estresse hídrico. Para mitigar esses impactos, é essencial a adoção de sistemas de produção mais resilientes e adaptados às novas condições climáticas, garantindo maior segurança para a produção de grãos no país.

Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), 2012
O aumento da temperatura também impacta a incidência de pragas e doenças nas plantas cultivadas, por meio de efeitos diretos e indiretos sobre a planta hospedeira, o patógeno e a interação entre ambos. Além disso, a elevação das temperaturas pode alterar a ação de agentes de controle biológico e o comportamento dos vetores. As mudanças ambientais influenciam ainda a distribuição geográfica e a duração dos ciclos de patógenos e insetos, aumentando significativamente seus impactos nas lavouras (GHINI; HAMADA, 2008).
Com as mudanças climáticas, eventos extremos como ondas de calor e secas prolongadas tornam-se mais frequentes e intensos, ameaçando a segurança alimentar e nutricional das regiões afetadas. No Brasil, as áreas mais vulneráveis a esses impactos são a Amazônia e o Nordeste, onde se observa a redução das zonas de baixo risco climático para a produção agrícola (ASSAD et al., 2019).

Os caminhos para o enfrentamento das mudanças climáticas
A adaptação da agricultura às mudanças climáticas pode seguir dois caminhos principais. O primeiro envolve a melhoria dos sistemas de produção, com a recuperação de pastagens degradadas e a adoção de modelos produtivos integrados dentro de uma mesma propriedade, como a integração lavoura-pecuária (ILP), lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e pecuária-floresta (IPF), entre outros. Esses sistemas diversificados proporcionam benefícios econômicos, produtivos e ambientais, mas também representam desafios para os produtores, devido à complexidade da gestão e à necessidade de um amplo conhecimento técnico. O objetivo, no entanto, é promover sinergia entre os diferentes componentes e usufruir das vantagens de cada cultura. O plantio de árvores, por exemplo, seja exóticas ou nativas, além de contribuir para a fixação de carbono, pode gerar renda adicional ao produtor e favorecer a preservação de corpos d’água. Isso garante maior resiliência contra períodos de estiagem prolongada, geadas e ondas de calor, além de melhorar a ambiência para os animais (Assad et al., 2021).

Fonte: Agroadvance, 2023
O segundo caminho, amplamente conhecido e já adotado por muitos produtores, baseia-se no uso de práticas conservacionistas do solo, como o sistema plantio direto. Além disso, outras estratégias, como o uso de cultivares geneticamente melhoradas para resistir a temperaturas elevadas e déficit hídrico, a aplicação de insumos biológicos e o manejo integrado de pragas, também podem desempenhar um papel crucial na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas (Assad et al., 2021). Todas essas práticas auxiliam no enfrentamento dos desafios das mudanças climáticas, como os veranicos prolongados, altas temperaturas, maior incidência de pragas, doenças e daninhas.
Conclusão
A crise climática é uma realidade que traz muitos desafios à agricultura, mas isso não significa que o setor esteja condenado. Há anos, estudos realizados em universidades e instituições de pesquisa têm fornecido ferramentas para garantir a produtividade das lavouras – e, em muitos casos, até aumentá-la. A adoção dessas tecnologias já está presente na prática de muitos agricultores.
No Brasil, diversas práticas agrícolas voltadas à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas já fazem parte do cotidiano dos produtores, influenciando como as empresas estruturam suas pesquisas e desenvolvem produtos e serviços. No entanto, ainda há espaço para aprimoramento, e o conhecimento é a chave para um futuro sustentável para a agricultura.
Referências bibliográficas
ASSAD, Eduardo Delgado. Sistemas agrícolas adaptados às mudanças climáticas. Cienc. Cult., São Paulo , v. 73, n. 1, p. 35-40, Jan. 2021 . Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252021000100007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 02 jul. 2024. http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602021000100007.
Assad, E. D.; Ribeiro, R. R. R.; Nakai, A.N. “Assessment and how increase in temperature may have an impact on agriculture in Brazil and mapping of the current and future situation”. Chapter 3. In: Climate change risks in Brazil. Nobre, C. A.; Marengo, J. A.; Soares, R. W. Springer. 2019.
DROOGERS, P.; van DAM, J.; HOOBEVEEN, J.; LOEVE, R. Adaptation strategies to climate change to sustain food security In: AERTS, J. C. J. H.; DROOGERS, P. (Ed.). Climate change in contrasting river basins: adaptation strategies for water, food and environment. Cambridge: CABI Publishing, 2004. p. 49-73.
FAO 2015. Climate change and food systems: global assessments and implications for food security and trade. Food Agriculture Organization of the United Nations (FAO).
FIGUEIREDO, M. C. B. de; GONDIM, R. S.; ARAGÃO, F. A. S. de. Produção de melão e mudanças climáticas: sistemas conservacionistas de cultivo para redução das pegadas de carbono e hídrica. Brasília, DF: Embrapa, 2017. 302 p. ISBN 978-85-7035-675-8. Disponível em: http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/handle/doc/1074500.
Ghini, R.; Hamada, E. “Proposta metodológica para discussão dos impactos das mudanças climáticas globais sobre doenças de plantas”. In: Ghini, R.; Hamada, E. (eds.). Mudanças climáticas: impactos sobre doenças de plantas no Brasil. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2008. p. 17‑24
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Plano setorial de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas para a consolidação de uma economia de baixa emissão de carbono na agricultura: Plano ABC. Brasília, DF: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Casa Civil da Presidência da República, 2012. 173 p.
MARIN, Fábio. Mudanças Climáticas. Apresentação do PowerPoint. Piracicaba: ESALQ/USP, 17 jun. 2024.
NOAA National Centers for Environmental Information, Monthly Global Climate Report for January 2025, published online February 2025, retrieved on March 25, 2025 from https://www.ncei.noaa.gov/access/monitoring/monthly-report/global/202501/2025-year-to-date-temperatures-versus-previous-years. DOI: https://www.ncei.noaa.gov/access/metadata/landing-page/bin/iso?id=gov.noaa.ncdc:C00672.